NOITE DE CELEBRAÇÃO PARA A LITERATURA DE CORDEL
Moraes Moreira é uma figura ímpar no panorama da Música Popular Brasileira e isso não é novidade para ninguém. Ao lado de Luís Galvão, Baby Consuelo (do Brasil), Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, entre outros, o músico protagonizou um dos momentos mais importantes para a cultura nacional nos anos 70 quando esteve à frente do grupo pós-tropicalista Novos Baianos. É o responsável, ao lado do parceiro Galvão, pela criação de vários clássicos do cancioneiro nacional como Preta Pretinha, Acabou Chorare,Ladeira da Praça e Besta é Tu. O grupo musical que ficou famoso, dentre outras coisas, pela forma anárquica como viviam seus integrantes (num sítio afastado, na capital do Rio de Janeiro) teve seu fim decretado após a saída de Moraes. Rendeu, durante dez anos, oito discos antológicos e marcou definitivamente as gerações seguintes.
Mas a carreira de Moraes Moreira não parou por aí. Após a saída dos Novos Baianos o artista seguiu com trabalho solo e foi justamente nesse momento que ele cravou de uma vez por todas o seu nome na história da nossa cultura. Ao lado de Dodô e Osmar, verdadeiras lendas do carnaval baiano, Moraes foi o responsável por introduzir o vocal ao som do trio elétrico. Sua composição Pombo Correio marcou, a partir desse momento, uma nova fase na maior festa popular do mundo. Além disso, Vassourinha elétrica, Bloco do prazer e Eu sou o carnaval também são de sua autoria.
Já consagrado como músico, Moraes Moreira começou então a se dedicar à outra arte genuinamente popular no Brasil: a Literatura de Cordel. Escreveu notáveis textos em versos rimados e muito bem metrificados, como A História dos Novos Baianos e Outros Versos, O ABC de Jorge Amado e Luiz Gonzaga: o nordestino do século é o nosso rei do baião. Além disso, acrescentou aos seus shows momentos voltados para a declamação de versos. Em consequência disso, e por total mérito, Moraes Moreira se tornou na terça-feira, 19 de maio de 2015, o mais novo imortal da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC).
COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO
SE O CORDEL AINDA TEM QUEM RESPEITE ESTA ANTIGA EXPRESSÃO HISTÓRICO-POÉTICA, EM SALVADOR, A PREFEITURA PREFERE TOMATE, CLÁUDIA LEITTTTE E LUAN SANTANA.
O evento aconteceu no Centro Cultural Solar do Botafogo, no Rio de Janeiro, e foi uma grande festa. Para os que, como eu, esperavam uma noite morna com discursos enfadonhos tão comuns em eventos como esse acabaram por se surpreender. Num espaço lotado de fãs convidados, cordelistas consagrados e artistas famosos a noite foi de pura celebração ao grande vate da nossa cultura que tomou posse da cadeira de número 38, patronímica do poeta paraibano Manoel Monteiro, que faleceu em junho de 2014.
Chico Sales, também membro da Academia, comandou o evento como mestre de cerimônia. Em seguida, passou a fala para o Presidente-fundador da ABLC, o querido poeta Gonçalo Ferreira da Silva, que encerrou assim a sua fala:
“Sente-se, Moraes Moreira, na cadeira que agora lhe pertence, e não fique triste se a palavra Moreira não rimar com Monteiro. O importante é que vocês são irmãos de ideal poético, agora e sempre”.
Sob aplausos, o presidente passou a vez para José Walter Pires, irmão do empossado que, num discurso carregado de afeto, encheu a plateia de risos. Falou sobre o seu papel de irmão mais velho, de companheiro e de “empresário” de Moraes, quando este deixou a cidade de Ituaçú, na Bahia, para ganhar o país.
Após a apresentação, Moraes Moreira ocupou o microfone e não mais largou até o final da festa. Seu discurso de posse não poderia ser de outra forma: Cinquenta estrofes em versos de cordel que alternaram entre as tradicionais septilhas e décimas. O poeta narrou a sua trajetória como cantor e compositor, falou diretamente para os convidados, agradeceu aos parceiros da vida inteira, pediu licença aos mestres cordelistas que acompanharam a cerimônia em lugar reservado no palco, fez uma evocação a Manoel Monteiro e se despediu. Tudo isso dentro da métrica, mostrando a todos porque estava ali.
O discurso deu lugar à música e o que era pra ser um pequeno sarau transformou-se num grande encontro em forma de espetáculo. Moraes Moreira chamou ao palco muitos dos amigos que ali estavam o prestigiando da plateia: a poeta Elisa Lucinda, Geraldo Azevedo, Otto, Davi Moraes, e Baby do Brasil, que encerrou a festa cantando, ao lado do poeta, vários clássicos dos Novos Baianos.
A Academia Brasileira de Literatura de Cordel mereceu não só essa grande festa como também mereceu em seu quadro a presença de um artista de destaque nacional como é Moraes Moreira. A maioria dos brasileiros desconhece a sua existência e importância para a manutenção do Cordel – arte tão desprezada pelo círculo de escritores intelectuais do país. Enquanto a Academia Brasileira de Letras funciona como instrumento de poder e, sem pudor, é capaz de imortalizar figuras como José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, que em nada contribuíram até então com o avanço e a manutenção da nossa literatura, a ABLC funciona como forma de resistência, para dar o devido reconhecimento aos nossos artistas populares que devem sim estar na boca do povo, como é o caso de Patativa do Assaré, Manoel Monteiro e muitos outros.
Meus sinceros parabéns a todos os envolvidos, especialmente a Gonçalo Ferreira e José Walter Pires.
E vida longa à ABLC!
A Bahia nunca deu a Moraes Moreira o seu merecido valor. Como foi dito por especialistas, Moraes Moreira é o cronista do carnaval de Salvador. Suas letras contam histórias, não somente do carnaval, mas de um período da vida social e cultural baianas. Entretanto, preferem ignorá-lo, como fizeram com outros, a exemplo de Gláuber Rocha, que sua incansável mãe nunca conseguiu que seu acervo fosse acolhido em Salvador, num espaço a ele dedicado. Outra vergonha.
ResponderExcluirPor sua vez, o busto de Edgar Santos, que inseriu a Bahia culturalmente no cenário nacional, e que trouxe a contemporaneidade na música, nas letras e nas artes para Salvador, vive exilado numa curva em Narandiba, onde ninguém sabe quem ele foi, conhecido simplesmente como "o cabeção". Bem assim: onde é que fica tal coisa? Aií, depois do cabeção. Uma lástima!
Enquanto isso, viva de pagodes e axés e muita dor de cabeça...