Olho por
cima de meu ombro esquerdo e vejo tudo cinza. Hotel banal com vista para um
Porto da Barra deserto, chuvoso, ventoso. Ônibus imundos. Calor pegajoso. Não
conheço quase ninguém. Sou um forasteiro recém chegado com sotaque português.
Um gringo que só encontra gente errada. Melhor virar o rosto para o outro lado.
Por cima do
ombro direito, uma nova estrada. Deixei a Europa no finzinho de minha terceira
década de vida. Angustiado? Com certeza. Mas pronto para o mergulho. Abrirei a
Galeria da Sereia, a primeira do Pelourinho, em pleno largo do tal. Destaque nos
muitos jornais. Educadamente não me chamam de maluco.
Eugênio de
Rastignac imigrante sem maldade, mas igualmente desafiador, farei minha esta
cidade. De hoje em diante, viverei numa permanente corrida de obstáculos. Reaprendendo
valores e comportamentos. Diferença entre moqueca e ensopado. Amigáveis toques
no braço. Abraços e beijos logo de entrada, sorrisos. Inesquecível batida de
pitanga da Dona Conceição. No Pelô, desconfiar dos “my friend”. Amizades
verdadeiras são raras, cá como lá. Mas aos poucos vão se formando. Pontualidade
desconhecida.
Durante dois anos serei colunável. Desisto de tanta vacuidade.
Nova galeria, 7m2 no Mercado Modelo, onde vendo Eckenberger, Bel Borba, Flávio
Morais, Vauluizo Bezerra, Murilo, Faróleo, Emma Valle, Adrianne Galinari, Miguel
Cordeiro. Mergulho na cultura popular. Nela me encontro. Concursos de barracas
de festas de largo, de carros de cafezinho, decoração da minha rua no desfile do
2 de julho. Levo o Dendê e Dengo de Aninha Franco ao Festival de Casablanca,
capoeira à Praça Djma Efna em Marrakesh, o Zambiapunga de Nilo Peçanha ao Festival
dos Ritmos do Mundo de Rabat.
Continuo a aprender, continuo a me indignar, a
brigar para defender aquilo que acredito. Dom Quixote chato e ridículo, já sei.
Mas, coerente comigo mesmo, não desisto.
E em quarenta anos de teimosia, fiz
minha esta terra.
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