terça-feira, 13 de janeiro de 2015

PERGUNTAS DE MENINO

MARCELO TORRES

Quando menino, era muito perguntador. Por que a Terra gira? E a professorinha, coitada, sem muitos recursos, tinha que se virar como podia.

Professora, se o plural de cão é cães, por que o plural de mão é mãos - e não mães? E se o de mão é mãos, por que o de pão é pães - e não pãos?

Cão, cães. Pão, pães. Mão... Mães!

Para ser sincera, a professora quase sempre dava uma de Chicó, aquele personagem d’O Auto da Compadecida: - Não sei, só sei que é assim.    

E quando o padre aparecia lá em casa? 
- Por que Deus deixa o bebezinho morrer, padre? 

E o vigário, coitado, um pobre do homem de Deus, gastava todo seu latim, falava até javanês para explicar ao moleque. Depois, longe de meus olhos e ouvidos, ordenava aos meus pais:  

- Vocês precisam botar esse menino no catecismo! Urgentemente!

Houve um dia em que perguntei ao velho Adauto: Por que o mágico do circo – aquele circo velho, sujo e de lona rasgada - não faz uma mágica criando um grande castelo para eles? 

Agora - quanto anos já se passaram? - eu é que tenho que me virar, não necessariamente em Chicó, para responder ao Lucas. 

- Papai, qual a capital da Austrália?

Assim, de supetão, quase disse Sydney ou Adelaide, mas logo lembrei do belo nome da capital australiana: Camberra.

- E do Canadá? - ele emendou. - É Vancouver, Toronto ou Montreal? 

- Quer me pegar, né, sabidinho? - eu disse sorrindo. - A capitá do Canadá é Otávia.

- Ó-tôuá, papai! - ele corrigiu, bilíngue, como aluno de escola canadense. - Fala Ô-tôuá.

Dia desses, Lucas acordou com a periquita, ou melhor, com as periquitas, perguntando tudo sobre plurais.  

- Papai, qual é o plural de vilão?

- Vilões, vilãos e vilães.

- Todos três?

- Sim, as três formas são aceitas, Luquinha.

- Por quê?

Sorri, enquanto buscava uma resposta. Sorri porque agora me via no lugar da professora, do velho Adauto, do padre, até mesmo de Chicó eu lembrava, já quase dizendo Não sei, só sei que é assim. 

O que dizer a um menino que não sabe da missa um terço? Que ainda não sabe das manhas da língua? Como falar a ele das exceções, das formas irregulares, das anomalias na morfologia? Como explicar as tais formas consagradas pelo uso? E por que há exceções em uns casos e não há em outros? Por que um uso popular é aceito e outro não é aceito?  

Bom, enquanto eu espremia os miolos em busca de resposta, não só para a pergunta dele, mas às perguntas que eu mesmo me fazia, ele mesmo achou uma resposta, que a bem da verdade era uma nova pergunta.

- É por que existem três tipos de vilão nas histórias, papai?

Só me restou ficar sério, para não dizer sem graça, e responder que sim, há muitos tipos de vilão nas histórias.

Depois disso, achei que ele quisesse saber o plural de sultão, de ermitão, de ancião, pois eu já estava com os aõs, os ões e os ães na ponta da língua, mas aí ele veio com outra pergunta, ainda mais difícil:    

- Papai, qual é o plural de mel?

Confesso, meus amigos, que fiquei em dúvida. Existe plural de mel? - perguntei aos meus orelhões. Àquela altura, Chicó não tinha como me ajudar. Consultar o Iphone? Nem pensar! Seria a completa desmoralização.  

Foi aí que me baixou um santo, o sopro de um caboco, me lembrando que o plural de gel tanto pode ser géis como pode ser geles, e o plural que desse em gel daria em mel também.

- O plural de mel – disse eu, para impor um ar solene e ainda ganhar um tempinho. - O plural de mel tanto pode ser méis como meles.

Ele calou, consentindo, satisfeito e orgulhoso, achando que o pai sabe tudo e mais um pouco. Enquanto ele pensava isso, fui com a incerteza até o banheiro, onde abri o iPhone para que São Google não me deixasse mentir. E ele confirmou: plural de gel pode ser géis ou geles.

Pois é, meus amigos, dessa eu escapei por pouco, mas voltei para casa com a certeza de que preciso estudar mais, muito mais. Vai que uma hora dessas ele resolve perguntar o plural de dez. No futebol, ele vê, cada time tem um jogador camisa dez.

Bom mesmo seria dar uma de joão-sem-braço e fazer uma citação de Guimarães Rosa, que botou lá no início dos Grandes Sertões: "Pãos ou pães, é questão de opiniães". Se botar Guimarães Rosa no meio, quem haverá de questionar, não é? 

Menino tem cada arte...

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