domingo, 4 de janeiro de 2015

MIA COUTO E GUIMARÃES ROSA

Extratos da comunicação de Mia Couto na Academia brasileira de Letras, sobre João Guimarães Rosa (Rio de Janeiro, Agosto de 2004).


É importante situarem que contextohistórico João Guimarães Rosa escreve a sua obra. LivroscomoGrande Sertão: veredassãoescritosquando os brasileirosfazemnascer do “nada” uma capital no interiordesse sertão (Brasília estava a acabar de serconstruída) e se consumavaumprocesso de controlocentralizadodessarealidademúltipla e fugidia. Na realidade, o “sertão” é erguidoemmito para contrariarumacertaidéiauniformizante e modernizante de umBrasilemascensão. (…) Um sertão cheio de histórias para contrariar o curso da História. (…)
Grande sertão: veredasrevelaumposicionamentopolítico, não porque se constrói a partir de umaideologia mas porque, na próprialinguagem, João Guimarães Rosa sugereumautopia, umaideia de futuro que está para alémdaquilo que eledenunciacomoumatentativa de ‘misériamelhorada’. Estalinguagemmediada entre classes cultas e os sertanejosnãoexistia no Brasil. João Guimarães Rosa sugereumBrasilem que os excluídospossamparticipar da invenção da sua História.”.
O dever do escritor para com a língua é recriá-la, salvando-a dos processos de banalização que o usocomumvaiestabelecendo. Para Guimarães Rosa, a línguanecessitava ‘fugir da esclerose dos lugares-comuns, escapar à viscosidade, à sonolência.’ Nãoerauma simples questãoestética mas era para ele, o própriosentido da escrita. Explorar as potencialidades do idioma, desafiando os processosconvencionais da narração, deixando que a escrita fosse penetradapelomítico e pela oralidade.
Rosa obedeceuassim a umprojeto de libertar a escrita do peso dos seusprópriosregulamentos. Para issoele fez de tudo: do neologismo, da desarticulação da frase feita, da reinvenção de provérbios, do resgatar dos materiais da oralidade para os colocaremfunçãonãocomoanotação marginal mas como a alma do próprio texto.”

… O que acontecequandonão se fecha a historia ? A multidão que assiste ficadoente, contaminadaporumaenfermedade que se chama a doença de sonhar. JoãoGuimarães Rosa é umcontador que nãofechou a historia. Ficamosdoentes, nós que o escutamos; E nos apaixonamosporessadoença, esse encantamento, essaaptidão para a fantasia.

Estamosenfim, na presençanãoapenas de umcriador de palavras mas de umpoetareinventando a prosa. Hácomoumterramotono chao da escrita, umalinguagememestado de transe, como o taldançarinoafricano que se prepara para a possessão. Surpreendemos oactonessemomentoem que jánão é dança para se converteremtransferência de alma e corpo. Linguagemcriadora de desordem, capaz de converter a lingua numestado de caosinicial, ela supportaumtranstorno que é fundamental porque fundadorde um reinício. JoãoGuimarães Rosa é um mestre, umensinador de ignorâncias de que tantocarecemos para entenderummundo que só é legível na margem dos códigos da escrita.


2 comentários:

  1. Discordo em 90% do entendimento do Mia Couto sobre Guimarães, embora não uma especialista no autor.
    O contexto que ele inventou do Grande Sertão é risível.
    A mulherada é que gosta e incensa porque o moçambicano é bonitão.
    Vou até copiar para mandar aos estudiosos dele.

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