Sorria, você está na Bahia
O trânsito parado, o metrô que não estreia, a orla degradada. Salvador já viveu dias melhores, mas coisa boa vem aí. E, mesmo se não viesse, poucas cidades conseguem ser tão especiais
por Mônica Pileggi
A região da Barra, onde Salvador cresce com menos dor
Raras capitais brasileiras mudaram de rosto tão velozmente como Salvador, a terceira mais populosa do Brasil, com 2,7 milhões de habitantes. Salvador viveu nos últimos anos um boom imobiliário e tem seu Centro atravessado por obras de um metrô de superfície que cresce com irritante lentidão. Em 2008, quando a crise do subprime deixava mortos e feridos no Hemisfério Norte, as betoneiras trabalhavam intensamente na capital baiana. “Foram quase 14 mil unidades residenciais vendidas”, conta Nilson Sarti, presidente da Associação dos Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA). O padrão anterior era comercializar 4 mil unidades por ano. Em 2012, foram 9 mil. Os novos empreendimentos estão espalhados pela cidade, principalmente em áreas nobres como os bairros deGraça, Ondina, Caminho das Árvores e também ao longo da Avenida Paralela. Para quem passou os quatro ou cinco últimos anos longe de Salvador, a capital baiana pode parecer outra cidade.
Pode-se achar que Salvador ficou melhor ou pior, mas é ocioso pensar que a cidade ia ficar parada enquanto o crédito fácil irrigava os novos consumidores brasileiros, muitos deles justamente do Nordeste. A Paralela, avenida que tem esse nome por correr junto do mais antigo caminho pela orla, viu surgirem condomínios residenciais fechados de grife e imponentes edifícios que contrastam com as favelas que aparecem aqui e ali a caminho da região central. A expansão urbana, como era de esperar, deixou marcas no meio ambiente. A promotoria de Justiça deve divulgar em junho um diagnóstico do que ainda existe de Mata Atlântica remanescente na cidade.
O trânsito da capital baiana também entrou para a primeira divisão das cidades paradas brasileiras, ombreando com Rio, São Paulo e Manaus. Em dez anos, a frota particular de Salvador cresceu 77%, para 512 mil carros – em São Paulo, o aumento não chegou a 50%. Além disso, há a novela das obras do metrô, que começaram há 13 anos e, como o Carnaval, não têm hora para acabar. Estão prontos até agora 6 dos 12 quilômetros projetados, mas há severas críticas quanto à viabilidade econômica do traçado. “No momento do projeto, esse itinerário fazia sentido. Ao longo desses anos a cidade mudou, e hoje a demanda maior é para a região do Iguatemi, o centro financeiro e comercial da cidade”, diz o urbanista baiano Paulo Santiago Fontes. Seja como for, enquanto o metrô não fica pronto, cerca de 200 mil pessoas têm de se virar com ônibus.
A Copa em Salvador
Salvador reabriu seu estádio de futebol, agora chamado de arena, o Fonte Nova, cuja exploração comercial ficou a cargo do consórcio de empreiteiras envolvido na construção. A capital baiana recebe três jogos da Copa das Confederações – um deles, o clássico Brasil e Itália, no dia 22 de junho – e está também na Copa do Mundo. Por isso, é de esperar que outras obras saiam do papel. A Secretaria de Turismo da Bahia lançou em setembro de 2012 um pacote de investimentos estimado em cerca de R$ 280 milhões. Entre as ações previstas estão a implantação de placas de sinalização turística e rodoviária, além de postos de informação e capacitação de policiais e taxistas. A secretaria promete também a construção de um palco articulado no Pelourinho e a requalificação da Feira de São Joaquim, uma das mais tradicionais do estado. A secretaria também aposta em melhorias em 17 cidades vizinhas da Baía de Todos os Santos, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O segmento hoteleiro também está aquecido. Nos últimos anos, novos empreendimentos surgiram ou trocaram de mãos. Caso do Mercure Boulevard, do Sotero Hotel by Nobile, do Intercity e do Matiz Salvador, todos na vizinhança do novo Salvador Shopping. Neste ano, a principal novidade é o Sheraton Hotel da Bahia, parceria de Guilherme Paulus com a grife Sheraton, da rede Starwood, que ressuscitou o edifício do antigo Hotel Tropical, no Largo do Campo Grande. A esperada estreia do Fasano, no prédio histórico da Praça Castro Alves que já pertenceu ao jornal A Tarde, também deve ajudar a valorizar a confusa área central.
Assim como “sempre teremos Paris”, na famosa fase do filme Casablanca, o melhor de Salvador também sempre estará à disposição dos turistas, a despeito das dores do crescimento da cidade. Seus faróis, fortes, casario, igrejas e praias, além da influência africana tão distintiva nos costumes, na culinária e na religião, fazem da capital baiana um lugar especial. A gastronomia tem se destacado para além dos acarajés do Rio Vermelho, e o GUIA BRASIL indica seis restaurantes estrelados, entre eles o Mistura, de pescados, o espanhol Mar na Boca e o criativo Amado, com linda vista para a Baía de Todos os Santos.
O camarão graúdo do restaurante Amado - Foto: Divulgação
Dores do crescimento
Se as praias soteropolitanas não têm balneabilidade (menções honrosas para o Porto da Barra e para as praias do município vizinho de Lauro de Freitas), se o Pelourinho é inseguro à noite, se acessibilidade é uma piada (o governo anunciou recentemente investimentos), se corredores e ciclistas têm de dividir a pista com ônibus e carros na Avenida Oceânica, se o índice de homicídios por arma de fogo é um dos maiores do Brasil, talvez seja o caso de lembrar que o turismo de Salvador é negócio sério – 80% da atividade econômica vem da área de serviços. Sendo assim, o governo tenta não correr o risco de ver incidentes que levem a uma fuga dos visitantes.
É por isso que as áreas turísticas são normalmente bem policiadas. Em setembro do ano passado, só noCentro Histórico foram instaladas dez unidades móveis das bases comunitárias de segurança. Nas principais ruas, uma dupla de policiais faz a vigília a cada esquina do Pelourinho. Ainda assim, eu fui aconselhada a não “andar pelas vielas”. Pelas ruas estreitas, de pavimento pé de moleque, as casas semidestruídas abrigam moradores de rua e usuários de drogas – muitos deles de crack, muitos deles menores de idade.
Perto disso, o assédio dos ambulantes em Salvador nem chega a ser um problema. Repassar fitinhas do Bonfim amarrando-as no pulso dos turistas e dizendo-nos que se trata de um presente é um clássico. Quando cheguei à Sagrada Colina para conhecer a Igreja do Senhor do Bonfim, fui abordada por quatro vendedores cheios de fitinhas e de vontade de me “presentear”.
O frege do Pelourinho - Foto: Rafael Martins
Veraodependência
Salvador, como se sabe, ferve no verão. O ciclo de festas populares, que reúne devotos dos orixás do candomblé e dos santos do catolicismo, tem início em 4 de dezembro, com a Festa de Santa Bárbara (Iansã, na correspondência para o candomblé), e segue até o Carnaval. A padroeira do estado é Iemanjá, a rainha do mar. Sua celebração, popularíssima, principalmente nas ruas do Rio Vermelho, ocorre em 2 de fevereiro. Outra festa famosa é a Lavagem do Bonfim. Realizada em uma quinta-feira de janeiro, a lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim, feita com água de cheiro, é precedida por um cortejo de 8 quilômetros. Mas Salvador busca se livrar de sua “veraodependência” e vem tentando criar ou atrair eventos ao longo do ano. Em fevereiro, depois do Carnaval, aconteceu, por exemplo, o festival Espicha Verão, que levou o Cidade Negra e várias outras atrações ao Pelourinho; em maio, o buzz da vez é o GP Bahia de Stock Car, a ser realizado nas ruas do Centro Administrativo, em um circuito improvisado que os entusiastas já chamam de “Mônaco brasileiro”.
Com o aeroporto entre as dunas de Lauro de Freitas, para lá de Itapuã, e a oferta de quartos dos resortões da Linha Verde, em Guarajuba, Praia do Forte e Imbassaí, já há muitos turistas que só veem Salvador da janelinha do avião. E não dá para culpar as belas praias da Linha Verde só por isso. A orla soteropolitana está degradada, e estima-se que seja necessário um investimento de R$ 20 milhões para recuperar calçadas, pista de cooper e iluminação. Centenas de barracas de praia tiveram de ser demolidas por ordem judicial, mas não se sabe ainda o que vai substituí-las. Se você precisar tomar uma água de coco, melhor trazer do hotel. O prefeito ACM Neto disse recentemente que o “soteropolitano elogia a orla de Aracaju, mas vai se orgulhar da de Salvador, que ficará pronta até a Copa”. Salvador vive um momento de transição, e o futuro à frente é uma incógnita. De certo mesmo, só o felicíssimo slogan, sempre atual, qualquer que seja o estado de coisas na Bahia e em sua capital: “Sorria, você está na Bahia”.
Piatã sem as barracas - Foto: Eduardo Moody
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