por JC Teixeira Gomes
É costume que articulistas de
fim de ano realizem o inventário do tempo que passou, mas, na verdade, o tempo
não passa, quem passa somos nós. As manhãs que douram este abrasador verão são
iguais àquelas que Adão e Eva contemplaram no Paraíso: eles passaram, mas nossas
manhãs continuam exatamente iguais às dos tempos bíblicos. O tempo é apenas uma
ficção dos humanos. Quanto ao inventário, a conduta dos povos também não varia
muito: guerras, crimes brutais, crises, mas o espírito do homem é
inquebrantável. Ele sempre acredita que tudo ficará melhor.
No Brasil, a grande surpresa foi a conduta
do Supremo no julgamento do mensalão. Não nos alegra a certeza de que políticos
roubavam o povo, porém é confortador verificar que uma instituição brasileira relevante
soube cumprir o seu dever com dignidade e competência.
A última análise que fiz das condenações
provocou irritação entre petistas. Meu querido colega Oldack Miranda escreveu
para A TARDE criticando o seu velho amigo, que ele qualifica de “antigo
polemista”. Ora, Oldak é um bravo, um inconformista, Deus o preserve. No
governo Waldir Pires ocupou cargo essencial, era quem articulava a comunicação oficial
com a opinião pública, prática inédita na Bahia. Infelizmente, não lhe deram os
meios materiais para construir a ponte povo-governo.
Oldack não leu bem, porém, meu artigo:
escrevi que enquanto houver bolsa família e cotas raciais a popularidade de
Lula estará assegurada, fato que a pesquisa Datafolha confirmou, embora em queda. Vejo a primeira
medida como um recurso eleitoreiro, pago com o dinheiro do povo brasileiro, que
não pode viver de esmolas e sim ter emprego e ganhar dignamente, para ter vida
decente e produtiva. Quanto às cotas, é uma reparação duvidosa e tardia, que
criar injustiças acadêmicas e atrapalha o mérito do saber, mas, enfim, abre
mais espaços para um povo oprimido. Fui professor universitário por mais de
trinta anos e nunca presenciei discriminação nas salas de aula, mas concordo
que a estrutura social do Brasil é absurdamente injusta e o acesso à formação
universitária deve ser democratizado. Não estou certo, entretanto, de que as
cotas, imitadas de um país racista, são o melhor caminho para compensar
injustiças históricas.
Curiosamente, o velho Oldack omitiu a
maior realização do governo Lula: a maneira elogiável como enfrentou a crise
econômica provocada em 2008 pelos bancos americanos, arruinando o mundo. Em vez
de fazer como era habitual no governo de Fernando Henrique, que compensava as
crises do capitalismo aumentando impostos, congelando salários, perseguindo
aposentados e favorecendo os bancos com o programa Proer, o governo Lula
reduziu alíquotas, assegurou aumentos salariais, injetou recursos na economia e
zelou pela estabilidade das empresas. Este é o PT que Dilma Rousseff não tem
imitado, pois, ao contrário de Lula, é uma governante tensa, sem cintura
política e obcecada por catástrofes econômicas, que a insegurança atrai.
Também devo dizer ao velho Oldack que,
além de repudiar o PT do mensalão, não aceito, igualmente, o PT que, golpeando
toda a sua tradição histórica, obteve de um Congresso comprado a reforma da
Previdência ( tão combatida pelo partido durante o governo FHC) e beneficiou os
bancos da corrupção com o afrontoso empréstimo consignado dos funcionários
públicos, prática que se transformou no abominável Proer do PT. Tampouco
assimilei aquele abraço de Lula em SP para ganhar eleição: quem abraça Maluf
pode perfeitamente achar natural e planejar o mensalão. Ou quem cultiva aliados
como Sarney, Calheiros, Jucá etc., a fina flor do que há de mais retrógrado em
política no Brasil.
Para concluir, devo afirmar que, se jamais
fui um adorador de partidos políticos, há um PT no qual acreditei: não,
obviamente, o de Dirceu, Genoíno e Delúbio, mas sim o de Plínio Arruda Sampaio,
Heloisa Helena, Chico Alencar, Herbert de Souza, Antonio Cândido, Fabio Konder
Comparato etc., com a linha auxiliar de Frei Betto e Frei Leonardo Boff. Por
sinal, salvo quem já morreu, por onde anda essa gente, que construiu o PT da
esperança?
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