quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

DOIS CARNAVAIS? SÓ?


Um humilde recado ao prefeito ACM Neto: Por favor, não seja besta

Por James Martins
Um humilde recado ao prefeito ACM Neto: Por favor, não seja besta
Foto: Fábio Rodrigues/Agência Brasil
Votei em ACM Neto. Tenho muitos amigos que acham isso um absurdo, mas, de fato, gostei muito de ver derrotada aquela campanha de Nelson Pelegrino - que reproduziu e radicalizou os piores procedimentos da extrema direita. Não vou discutir tudo isso aqui agora, até porque a eleição já passou e a partir de 2013, quem votou e quem não votou terá como prefeito o senhor ACM Neto (e deve torcer por e colaborar com ele). O assunto é outro. Dizer que Salvador está acabada e que, por isso, Neto tem um grande pepino nas mãos é chover no molhado. Porém, o que parece que nem todo mundo enxerga é que, além de suja, feia, escura, violenta, congestionada, etc. etc. etc., a cidade está maluca. Sim, doidíssima. E, na verdade, este não é só mais um problema entre tantos, como o tráfego na Rótula do Abacaxi. Não. Este é o abacaxi de onde derivam (quase) todos os outros. Há uma evidente esquizofrenia pairando no ar. Salvador é uma cidade devastada pela alegria. Eis a nossa alergia, alergia. Para falar claro, o problema é que aqui, de uns tempos pra cá, é carnaval o ano inteiro. A cidade, e sua população, não têm mais ciclos, matizes, nuances, nada. Só carnaval. Só alegria. Só extravasa-libera-e-joga-tudo-pro-ar. Mas é como disse o grande Frejat: "rir de tudo é desespero". E esse clima, aplicado a áreas práticas da vida, como o trânsito, por exemplo, gera aquela indisciplina típica que faz um sujeito meter o carro metade numa via metade na outra e o outro fazer o mesmo e tudo virar uma enorme bagunça em que ninguém sai do lugar. Para usar o slogan da primeira campanha de Neto (2008), podemos concluir que o pessoal já não sabe "fazer diferente". E é justamente isso que o novo prefeito precisa ter a ousadia de fazer. Inventa Neto!

Acontece que, antes mesmo de sentar na disputada cadeira, todos os movimentos do prefeito eleito em relação à cultura e ao turismo vão no mesma mão única do carnavalesco. Ou seja: mais do mesmo. Eis o que eu quero dizer: o panorama artístico-cultural de Salvador, que sempre foi combustível e motor para o Brasil, está doente, está capenga, e, enquanto isso não for resolvido, não adianta muito varrer as ruas ou trocar lâmpadas nos postes. Sim, eu sei que o carnaval é parte importante de nossa tradição. E, na verdade, adoro carnaval. Mas é bom não esquecer que nossa vida e história são muito mais amplas. E que foi justamente essa amplitude que deu energia inclusive para a formação peculiar da nossa maior festa (que, em minha modesta opinião, supera as do Rio de Janeiro e Recife-Olinda). Desde quando Diogo Álvares Correia se juntou aos índios e virou o Caramuru que a nossa cidade revelava a sua vocação para a mistura, não para a monocultura. Segundo Dorival Caymmi, Salvador é "a terra do branco mulato / a terra do preto doutor".  Note-se a participação de artistas e pensadores estrangeiros em nossa trajetória: do Padre Vieira a Pierre Verger e Caribé, de Smetak a Lina Bo Bardi, todos viraram baianos. Aprenderam conosco a ser o que foram e nos ensinaram a ser como somos. Esses notáveis intelectuais se misturaram ao povo de modo tão intenso que permitiram que o Chiclete com Banana, em um de seus maiores sucessos, tirasse uma onda com a cara dos intelectualóides otários que não montam na lambreta: "não dança uma lambada, só valsa de Strauss, é um cri-cri de galocha (...)". Mas hoje em dia, a chamada política cultural (bem como a nossa apatia) faz com que o povo sequer saiba quem são seus intelectuais. E vice-versa. Salvador virou uma roça de uma planta só. Isso é lastimável.

E o que é que Neto vai fazer? Bom, as fotos que vi onde o futuro prefeito aparece ladeado por Durval Lelys, Tomate, Bell Marques, Mano Góes e os mesmos de sempre, não me pareceram animadoras. Curioso é que, quando o pessoal falava num suposto retorno do carlismo, eu me perguntava: por quê? É possível? O carlismo é um lance cosanguíneo, hereditário, ou um modus operandi? Tirando o nome, em que a candidatura de Neto era mais carlista que a de Pelegrino com Otto Alencar e César Borges? Por outro lado, eu não tinha (não tenho) garantias de que Neto seria (será?) carlista nem sequer pelo lado bom. Verdade seja dita, a atuação de ACM, o avô, na área cultural soteropolitana foi muito melhor que a de muita gente. Da sede do Olodum ao Parque de Pituaçu, em praticamente tudo paira a sombra do velho. Não à toa, ele aparece no álbum de fotos do livro de Antonio Risério, 'Avant-Gard na Bahia', ao lado de Lina Bo, Lomanto Júnior e outros, com a legenda: "No tempo em que havia políticas públicas para a cultura". Eis o que quero dizer: Neto não vai poder construir uma nova cidade só com Axé Music, camarote e carnaval. Nem sequer turismo. Já esqueceram a importância que o escritor (sim, escritor) Jorge Amado teve e tem na atração de pessoas para a Bahia? Se o prefeito quer se reunir com artistas, tem que engrossar a lista com pintores, cineastas, poetas, coreógrafos, rappers, grafiteiros, teatrólogos, roqueiros, filósofos, cientistas, chefs, etc. Até porque, se carnaval resolvesse, a coisa estava ótima. Afinal, em Salvador, São João virou carnaval, natal virou carnaval, velório virou carnaval... não precisamos de mais, muito pelo contrário. Uma pergunta: no Rio de Janeiro ouve-se samba-enredo o ano inteiro? Sei que Neto é amigo de Márcio Victor, autor do seu jingle e músico genial. Acho ótimo. Mas digo, prefeito, mire-se no exemplo de seu avô, que manteve estreita relação com artistas de todas as áreas, de Glauber Rocha a Mário Cravo Jr. Salvador não precisa (e não pode) se reduzir a entretenimento.

Se for necessário, repito: pode parecer supérfluo este tema no momento. A força do nosso carnaval pode até parecer suficiente. Mas a verdade é que não é. O banho que nós estamos tomando de Recife nos últimos anos não se deve apenas a coisas práticas como indústrias, etc., mas também ao panorama cultural. E mais, infraestrutura por si só não adianta nada. O show de Paul McCartney não foi para Recife sem passar por aqui por questão estrutural, mas de público. Os soteropolitanos médios só conhecem Axé Music. Inclusive as classes média e alta. Tudo aqui que foge a isso fracassa. Até mesmo o Cirque Du Soleil, que já se viu forçado a encurtar temporada na cidade por falta de quórum. O Show de Beyoncé teve mais público por causa de Ivete. E, note-se, eu acho Ivete mil vezes melhor que Beyoncé, mas acho que esse dado deve ser visto por um viés que o problematize. Nossa gente está ignorante demais para criar um novo Olodum. A crise criativa dos artistas medalhões com quem o prefeito se reuniu é evidente. Olha Neto, você (permita-me chamá-lo de você) pode até só gostar de Axé Music e carnaval, quem sou eu pra me meter, mas, como estadista, tem uma missão enorme a cumprir. Dou-lhe um exemplo: Edgard Santos, o lendário reitor, não demonstrava grande aptidão para curtir as artes modernas, mas soube enriquecer a UFBA com professores-artistas até mesmo das vanguardas. Teve tino. Foi sagaz. E o resultado para a cidade (e mesmo para o Brasil) foi inestimável. Inclusive dá lucro, não se engane. Se nem só de pão vive o homem, muito menos de Tomate.

Para concluir, que tá ficando longo e eu sei que você é um homem ocupado, acho bom lembrar que uma das imagens mais marcantes do fracasso da atual gestão mostra o agora inelegível João Henrique, em plena folia, dançando faceiro no trenzinho-da-sacanagem nesta cidade sem metrô. Neto, quer fazer dois carnavais na Copa, faça. Mas não se esqueça que a cozinha também tem outros temperos. E eles são indispensáveis para recuperar o gosto de viver em Salvador. O povo baiano é muito inteligente para que se tenha essa visão pouco lisonjeira que nos põe como eternos foliões. Aqui também é a terra de Rui Barbosa e Raul Seixas. Reconhecer e incentivar isso é vital até mesmo para o garçom que vai atender na nova orla não nos matar de vergonha. Aliás, fiz aqui uma pequena lista de nomes que acho que você deveria convidar também para um papo. Só uma sugestão, bastante incompleta: Letieres Leite, Antonio Risério, Roberto Santtana, Jarbas Bittencourt, Arnaldo Almeida, Mariella Santiago, Saja, Beto Pimentel, Gil Vicente Tavares, William Martins, Aninha Franco, Joãozito, Ricardo Chemas, Eder Muniz, Arlete Soares, Antônio Godi, Goli Guerreiro, Paulo César de Souza, Edgard Navarro, Russo Passapusso, Retrofoguetes, João Filgueiras Lima, James Martins (hehe) e você já entendeu o espírito da coisa. Prefeito, encerro este humilde recado apelando para que você não trate a cultura soteropolitana como mero objeto de entretenimento, porque é aí que está a nossa maior infraestrutura. Você é inteligente e trabalhador. Ouse ver além do time que tá ganhando, porque a vitória é nossa. Nossa gente é vasta e vária e misturada. Por isso chame, chame, chame, chame gente. Que a gente se completa, enchendo de alegria a praça e o poeta. E pense no Haiti. Afinal, o Haiti (agora como nunca) é aqui.

2 comentários:

  1. Bem artigo, Dimitri, obrigado por me fazer conhecê-lo. Lembrei um pouco de algumas linhas que escrevi sobre nosso apagão cultural: http://teatronu.com/sem-categoria/salvador-a-inercia-da-cultura-e-a-cultura-da-inercia

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  2. Dimitri.
    Excelente o artigo do James Martins ( não o conheço pessoalmente ),
    mas, assino embaixo sem reservas ou restrições.
    Abraços soteropolitanos,
    CLIMERIO ANDRADE

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