Procurando sobre o autor na internet, encontrei somente esta informação: "Jornalista, rábula em direito e enxadrista brasileiro, autor de varias ações populares contra governantes brasileiros."
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Lampião na passarela
TEXTO MANDADO
PELO ESCRITOR E POETA
FLORISVALDO MATTOS
A cultura do espetáculo no
banditismo do Nordeste
Os
cangaceiros, cuja história de façanhas e crueldades inspirou conceituações
diversas – símbolos do mal, como criminosos frios e sanguinários, para as
autoridades e classe média, principalmente do litoral; heróis, homens bravos e
destemidos a serviço da defesa da honra, para os camponeses, principalmente o
sertanejo habitante dos descampados -, dormem na memória e no esquecimento, mas
às vezes despertam por repentinos sacolejos da estética e da comunicação.
Houve
época (anos 60/70) em que nas universidades estudos de pós-graduação e
pesquisas se interessaram por eles como uma saga de rebeldia social de fundo
primitivo; reportagens descobriram no nordeste, centro-oeste e oeste idosos remanescentes
de bandos desaparecidos havia décadas; livros se escreveram e publicaram,
ensaios e romances se reeditaram; filmes foram realizados recontando a história
em nível ficcional; peças foram encenadas, o figurativo das artes plásticas os
reviveu.
De
raro em raro a febre evocativa retorna, em filme, poesia ou ensaio. Como agora,
pela agudeza historiográfica da francesa Élise Jasmin, especialista na análise
de fenômenos históricos, sociais e culturais por meio da fotografia, voltada em
grande parte para o Brasil, com o que arrebatou em 2001 o prêmio Le Monde de
Pesquisa Universitária com o livro Lampião, Vies
et Mors d´un Bandit Brésilien.
Agora,
aparece no Brasil com o volume Cangaceiros,
publicação da editora Terceiro Nome (SP, 154), baseado na edição francesa, cujo
projeto grafico segue, preparada para coincidir com o Ano do Brasil na França,
evento realizado em 2005.
O
livro, diga-se a bem da verdade, apresenta-se de saída com o duplo selo da
originalidade – no seu objetivo estético e no caráter revelador de um universo
cênico. Pretende narrar a aventura trágica do cangaceiro Lampião e seu bando e
a repressão contra eles movida através da fotografia. De início, que se saiba,
é a primeira vez que, de forma organizada, estruturada e pesquisada, intenta-se
uma incursão por este vasto território visual, num trabalho de arqueologia
icônica que traz à tona do espaço impresso, além de material já conhecido,
dezenas de fotos somente conhecidas e mantidas por colecionadores dedicados à
história do cangaço no Brasil.
Compõe-se
a obra de uma introdução a cargo do historiador Frederico Pernambucano de
Mello, autoridade em estudos do cangaço, um ensaio da autora tratando dos
significados de seu trabalho e 85 enfileiradas fotografias (das págs. 36 às
120), divididas em duas partes: as de Lampião e seu bando, em vários momentos
desde 1926, quando estiveram em Juazeiro, no Ceará, para encontrar-se com o
Padre Cícero, quando Lampião recebeu a patente de Capitão dos Batalhões
Patrióticos, formados para dar combate à Coluna Prestes, e de vários grupos de
forças volantes, que se formaram para perseguir e eliminar cangaceiros.
Não
faltam nem mesmo fotos de cabeças cortadas, na repugnante escatologia da
exibição delas como prova soberba de êxito na perseguição e até de corpos
empilhado no massacre de Angicos, na Bahia, em 28 de julho de 1938, além da
famosa coleção arrumada de cabeças antes do envio para estudos lombrosianos no
Instituto Nina Rodrigues, de Salvador, onde permaneceram para opróbrio da
inteligência baiana até 1969, quando foram enfim sepultadas no cemitério das
Quintas dos Lázaros, por pressão de intelectuais, jornalistas, professores e
estudantes.
Na
verdade uma reportagem litero-visual de estrutura livre, mas de conteúdo
distribuído em inter-títulos temáticos, embora não cite uma única vez Charles
Sanders Peirce (1839-1914), o criador da teoria geral dos signos, nem mesmo os
que posteriormente, à base de seus princípios, abriram novos campos à linguagem
(Jean Piaget, A. J. Greimas, J. Kristeva e Roland Barthes), Élise Jasmin
realiza no seu ensaio um estudo de semiótica aplicada, mostrando a
personalidade de Lampião, a mulher dele, Maria Bonita, e seus seguidores na
plenitude do culto à pela aparência, que vai das
formas de comunicação e animação, gostos, hábitos, peculiaridades, teatralidade
dos gestos, sem se recusarem a atitudes de extravagância, enfim uma sociologia
e uma antropologia envolvidas num cenário de clandestinidade.
E
o que se vê, pelas fotografias, reproduções e descrições, é um Lampião
prazeroso do luxo de existir, na medida de seu mundo demarcado pelas solidões
do agreste profundo, árido e catingueiro, exibindo seus múltiplos anéis, armas,
bandoleiras e cartucheiras cravejadas de outro e prata, chapéus de couro, cuja estética
rústica ganhou alma no cinema, roupas de cores fortes e camisas listradas ou
estampadas com botões especiais. Ninguém melhor que Jasmin para descrever
Lampião no seu culto da aparência.
“Foi
o primeiro cangaceiro a cuidar de sua imagem – e aí reside sua grande
originalidade. Teatralizou sua vida, utilizou modos de comunicação da
modernidade que não faziam parte de sua cultura original, principalmente a
imprensa e a fotografia. Vestidos de maneira extravagante, com roupas de cores
berrantes, chapéus imensos, enfeitados com medalhas, exibindo anéis, colares e
broches, Lampião e seus cangaceiros sempre manifestaram o gosto ela
ostentação”.
Registra
o prazer de Lampião, toda vez que aparecia numa cidade em que tinha acolhida
pacífica ou impunha sua ação bandoleira, em desfilar pela rua com seu grupo
exibindo sua imagem e o que melhor arrecadasse no botim.
Jasmin
parece ter razão, pois eis uma descrição que dele faz o folclorista cearense
Leonardo Motta (1891-1948), com base em seu trânsito pelo interior do Ceará:
“Amulatado,
estatura meã; magro e semi-corcunda; barba e nuca ordinariamente raspadas e
sempre que é possível perfumadas; (...) o olho direito branco e cego, escondido
pelos óculos pardacentos, de aros dourados; mãos compridas que se assemelham a
garras; os dedos cheios de anéis de brilhantes falsos e verdadeiros; ao
pescoço, vasto e vistoso lenço de cor berrante, preso ao lado por valioso anel
de doutor em direito; sobre o peito, medalhas do padre Cícero, escapulários e
saquinhos de "rezas fortes", chapéu de cangaceiro, tipicamente
adornado de correias e metal branco; ensimesmado toda vez que defronta uma
turma de curiosos; folgazão, quando entre poucos estranhos ou no meio de
comparsas; (...) paletó de camisa de riscado, claro, calças de brim escuro;
alpercatas reluzentes de ilhozes amarelos; a tira-colo, 2 pesados embornais de
balas e bugingangas, protegidos por uma coberta e chales finos; tórax
guarnecido por 3 cartucheiras; ágil como um felino, mas aparentando constante
estropiamento e exaustão; às mãos um fuzil; à cintura duas pistolas
"parabellum" e um punhal de 78 centímetros de
lâmina”.
Fotos
individuais, de duplas ou de grupos atestam no livro de Jasmin esta fartura de
flagrante exibicionismo. E há no livro algumas revelações. Por exemplo, a
perícia de Lampião na costura de roupas, alinhavando e costurando as suas
próprias vestes numa máquina marca Singer, traço de personalidade que a própria
autora alude ter sido motivo para que a propaganda anti-cangaço pusessem em
dúvida a virilidade do cangaceiro. A responsabilidade de Lampião por introduzir
a figura da mulher no cangaço, a partir de 1930, algo que jamais acontecera a
qualquer bando anterior. A influência dos dotes criativos de Dada (Sérgia Maria
da Conceição), mulher de Corisco, na mudança radical nos motivos e confecção do
guarda-roupa dos cangaceiros, ao ingressar no grupo.
Cite-se
mais uma vez Jasmin: “A partir de 1932, lançou a moda dos motivos bordados em
couro branco sobre os chapéus, das flores em tecido colorido bordadas sobre as
bolsas, dos peitorais e dos cinturões largos. Desde então, todos os cangaceiros
vestiam-se com esses novos trajes”. Questão de talento, vê-se.
Por
essa descrição e pelo exposto nas fotografias, pode-se observar, na parte
reservada a documentar os aspectos dos grupos repressores, quanto as forças
volantes imitaram os cangaceiros, não apenas no trajar, mas também nas
posturas, inclusive nas poses para fotografias. Não está lá, mas me atrevo a
uma suposição, para tais atitudes. Tudo faz crer que se ligam à necessidade de
obterem as volantes para sua empresa aval de simpatia dos habitantes do meio
rural distante, onde os cangaceiros, por motivos sedimentados nas suas origens
– pobreza, miséria, injustiça, defesa da honra, vida agrária -, com seus atos e
presença, possuíam boa acolhida e até proteção. As volantes precisavam parecer
com eles, uma tática de publicidade, baseada em signos ícones e indiciais.
E,
surpresa das surpresas – se não se trata de um devaneio parisiense -, Élise
Jasmin revela uma faceta desconhecida deste chefe do cangaço – a de Lampião
leitor. Além de incluir uma foto dele lendo um exemplar da revista O Cruzeiro, outra com um de O Globo na mão e uma terceira com ele
recolhido à calma leitura de um livro, informa a preferência de Lampião por
romances de aventura e ficção policial, sendo leitor de Edgar Wallace e Georges
Simenon.
Jasmin
destaca o papel do fotógrafo Benjamin Abraão, de origem libanesa ou palestina,
no melhor da documentação visual sobre Lampião e seu bando, quando conseguiu,
obtendo a confiança dele e do grupo, realizar fotografias e até um filme, hoje
preciosidade rara dessa parte da história do Nordeste brasileiro, não só pelo
que produziu como pelo arriscado feito, tanto que, por causa disso
(encontrou-se com Lampião de 1934 até quase perto da morte deste) e pela
repercussão de suas fotos publicadas em jornais do litoral e do Sul do País),
Abraão foi assassinado com 42 facadas, em Águas Belas (PE), em maio de 1938. A maior parte das
fotos do livro são reprodução de fotogramas do documentário de Abraão, no que
diz respeito a Lampião e seu bando.
Outros
fotógrafos registraram imagens das ações do bando de Lampião e da repressão, na
sua movimentação por estados do Nordeste, como Lauro Cabral, no Ceará, e
amadores, como Eronildes de Carvalho, em Sergipe. Além de um
monumento visual, o livro de Élise Jasmin é também um ensaio sobre o banditismo
como fenômeno social, que no Brasil só aconteceu no Nordeste, por motivos mais
que óbvios. Merece as estantes de todas as bibliotecas públicas.
Aspereza
e solidão são os substantivos que, de logo, vêm à mente de quem estuda o
banditismo como fenômeno social no Nordeste e a figura de Lampião a
movimentar-se em um cenário de violência e tragédia, individual e coletiva.
Hoje, com a distância dos conflitos sociais e as paixões políticas que
dominaram a cena brasileira da República Velha, marcadas ainda pelo
provincianismo do Império, é possível encara-los com uma visão menos
maniqueísta.
Aliás,
talvez por influência do historiador inglês Eric J. Hobsbawn - Bandidos e Rebeldes Primitivos – Estudos sobre formas arcaicas de movimentos
sociais nos séculos XIX e XX, com traduções no Brasil -, muitos estudiosos
brasileiros, a partir dos anos 60 (Rui Faço, Maria Isaura Pereira de Queiroz,
Nertan Macedo, Cristina Matta Machado, Estácio de Lima, Aglae Lima de Oliveira,
Rodrigues Carvalho, Eduardo Barbosa) passaram a analisar o banditismo,
notadamente na sua forma de cangaço nordestino, senão com um olhar magnânimo,
com uma visão científica, fundada na sociologia e na história social, despida
de preconceitos, sem a velha atitude de justiciamento, amparada na
criminologia.
Com
efeito, essa mudança de ângulo propicia melhor compreensão das épocas de
banditismo do passado, sem transformar o bandido (no caso, o cangaceiro) em
herói, mas também sem lançá-lo no poço da condenação pura e simples como
criminoso comum. A tendência foi considerá-lo protótipo de uma rebelião social
de nível primário, nas formas que existiram, não só no Brasil, mas no México e
na Itália. Nenhum deles com organização de conteúdo político, embora possam ser
utilizados como instrumento pela política.
Se
na Itália houve o famoso Bandido Giuliano, agindo no sul com o seu bando, cuja
história alcançou as telas cinematográficas, no Brasil houve o bando de
Lampião, mas antes dele o de Jesuíno Brilhante (Jesuíno Alves de Melo Calado),
atuante no último quartel do século 19, no Rio Grande do Norte, o de Antônio
Silvino (Manuel Batista de Morais), com ação em Pernambuco, entre 1896 e 1914
(morreu em 1944) e Sinhô Pereira (Sebastião Pereira da Silva), agindo de 1916 a 1922.
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