Pelo advogado Dr. Vitor Hugo Rezende
Nos últimos dias a Bahia
ficou estarrecida com a notícia de que a FIFA, entidade que organiza a Copa do
Mundo de 2014, cogitou a possibilidade de proibir a comercialização do acarajé
num raio de 2 km da Fonte Nova, como forma de manter a primazia do McDonalds
que é um dos patrocinadores oficiais da Copa do Mundo do Brasil, num flagrante
desrespeito à cultura baiana.
O acarajé é uma comida
afro-brasileira e se constitui num bolinho de feijão-fradinho moído, temperado
r cebola e sal e frito no azeite de dendê. O folclorista Manuel Querino, no seu
A Arte Culinária da Bahia, minucia o modo de fazer do bolinho descrevendo que
"no início, o feijão-fradinho era ralado na pedra, de 50 cm de comprimento
por 23 de largura, tendo cerca de 10 cm de altura. A face plana, em vez de
lisa, era ligeiramente picada por canteiro, de modo a torná-la porosa ou
crespa. Um rolo de forma cilíndrica, impelido para frente e para trás, sobre a
pedra, na atitude de quem mói, triturava facilmente o milho, o feijão, o
arroz".
Para alguns o acarajé tem
relação estreita com o falafel árabe, um outro bolinho de sabor singular
popularmente degustado no oriente. Defendem, alguns pesquisadores que os Árabes
teriam levado para a África nas suas expedições do VIII, o tal bolinho que
também é frito, mas sua composição leva massa de fava seca ou grão de bico.
Na África o Acarajé é chamado de Àkàrà(bolo feito da polpa do feijão fradinho, temperado com cebola e
sal e frito no dendê), tendo ganhado no Brasil o sufixo je, que em ioruba
significa comer. Atribuem na mitologia dos orixás, que Iansã, encomendou um
acarajé para Xangô, num dia de festa no reino. Após degustar a iguaria Xangô
começou a por fogo pela boca, restando a Iansã também provar do bolinho e ter a
mesma consequência do marido. Entretanto, para a surpresa, os súditos do reino
se impressionaram positivamente com o ocorrido, dando nome àquela comida de
àkàrà que significa bola de fogo.
Em que pese toda a riqueza
cultural da iguaria, além da proteção conferida pelo IPHAN, afinal o ofício da baiana
de acarajé é considerado bem de natureza imaterial do Brasil, processo nº
01450.008675/2004-01 tendo sido inscrito nos Livros dos Saberes, observamos o
desrespeito aos costumes e culturas nacionais, numa tentativa flagrante de
imposição do estrangeirismo dentro do Território Nacional.
Insta observar ainda que
recentemente o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia inscreveu
o ofício das baianas de acarajé no livro dos saberes, garantindo-o como
patrimônio imaterial da Bahia.
Outrossim, cumpre
salientar que a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura – UNESCO vem empreendendo forças no sentido de tutelar as relações
entre os entes nacionais, garantindo o respeito à diversidade cultural.
Neste sentido, faz-se imperioso,
mesmo que em apertada síntese ponderarmos sobre a essência da terminologia da
diversidade cultural, que se constitui numa interação harmoniosa entre as
formas diversas de manifestação cultural, afiançando a originalidade e
pluralidade de identidades dos grupos e sociedades que compõe a humanidade. Por
cultura, podemos compreender as formas de manifestação do homem no mundo.
O direito à diversidade
cultural é um direito humano, um direito natural. O direito natural se
caracteriza pela prescindibilidade de criação, pois já está intrínseco na
própria existência humana, restando somente a sua declaração.
A UNESCO entendendo
sabiamente que o direito à diversidade cultural se constitui num direito
natural, proclamou em 2001 a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural,
estabelecendo nos artigos 4º e 5º, instrumentos que protegem a propalada
diversidade, vejamos:
“Artigo 4 – Os
direitos humanos, garantias da diversidade cultural
A defesa da
diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade
humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as
liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a
minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural
para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para
limitar seu alcance.
Artigo 5 – Os
direitos culturais, marco propício da diversidade cultural
Os direitos
culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis
e interdependentes. O desenvolvimento de uma diversidade criativa exige a plena
realização dos direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração
Universal de Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se,
criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua
língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de
qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve
poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas
culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais.”
Neste esteio, podemos fragmentar
os dois dispositivos supracitados, para adunar alguns conceitos. Inicialmente,
é imperioso conceituar povo autóctone como os povos que detêm uma cultura
própria, singularizada ou que mesmo colonizados não se identificaram com a
cultura do colonizador, fazendo prevalecer a sua identidade. Além disso, o art.
5º da mencionada Declaração congrega alguns princípios do direito à diversidade
cultural, restando como interessante o destaque ao período que “toda pessoa
deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias
práticas culturais”. Dissecando este período, observamos que o mesmo agrupa os
princípios da liberdade cultural, do acesso à cultura e autodeterminação da
cultura.
Assim, pode-se vislumbrar
o acarajé como um bem que prevaleceu, na sociedade baiana, mesmo vindo de outro
continente, trazido por um povo que se viu açoitado culturalmente, tendo que
celebrar suas crenças de forma camuflada, submetendo-se ainda a uma colonização
elitista que incutiu na Bahia de ontem valores de respeito somente aos bens
advindos da coroa. Logo, autoriza-se assemelhar o próprio acarajé aos povos
autóctones, pelo sua força de reexistir e resistir diante de tantas
adversidades.
No que tange aos
princípios culturais acima esposados, calha que seja ressaltado que a venda da
iguaria onde quer que seja procedida, agregada à sua riqueza histórica e seu
modo peculiar da fazer, qual seja, armar o tabuleiro, incensar o seu redor,
bater a massa à vista de qualquer do povo é uma liberdade cultural e deve ser
respeitada, enquanto que aos comuns deve ser protegido o seu acesso,
principalmente aos que de fora vêm.
Ademais, o princípio da
autodeterminação da cultura, pressupõe que detemos o direito de seguir e
celebrar aquilo que nos é prazeroso. O bem cultural exaltado deve estar
sincronizado com a nossa identidade. Razão pela qual, cabe tão somente, ao povo
baiano, decidir pela comercialização ou não do acarajé na Fonte Nova, restando,
como inconveniente, qualquer decisão que cerceie o povo do acesso ao bolinho,
sob pena de tolher a manifestação cultural do Estado da Bahia.
È o que chamamos de subserviência explicitaaos
ResponderExcluirpoderosos de plantão. Uma vergomha para a Bahia,e o
Brasil. É como vejo com indignação e tristeza.
CLIMERIO ANDRADE