Veterana Mãe Preta fez história na Montanha
Euzeni Daltro (A TARDE)
Dona Maria Dalvina (nome de batismo) era popular na comunidade da ladeira
Ladeira da Montanha / A lendária Mãe Preta
Maria Dalvina Rodrigues de Oliveira, a Mãe Preta, foi a prostituta mais desejada e a mais famosa da Ladeira da Montanha. Virou símbolo de solidariedade ao transformar um famoso prostíbulo em abrigo para os rejeitados da sociedade. Ela morreu, na Quarta-feira de Cinzas deste ano, esquecida, em condições precárias, na casa de um filho, no bairro do Pau Miúdo.
Natural de Andaraí, na Chapada Diamantina, ela veio para Salvador aos 15 anos para trabalhar em casa de família. Mas se entregou à prostituição, após ser aconselhada por uma amiga.
"Conheci Mãe Preta demais. Ela foi a maior prostituta da Ladeira da Montanha", disse um guardador de carros da Montanha conhecido como Papai Noel, 63.
Ela fez fama no número 57. Ricos e pobres iniciaram a vida sexual nos braços de Mãe Preta. O casarão foi o mesmo que ela transformou no Abrigo Mãe Preta, no fim da década de 1970.
"Ela viveu glória e decadência com a mesma desenvoltura. A lendária Mãe Preta eternizou-se menos pelos anos de sexo vendido do que pelo papel que passou a desempenhar depois do declínio da prostituição na famosa ladeira", afirmou o historiador Ricardo Carvalho.
Filhos de garotas de programa, ex-prostitutas, travestis, homossexuais e moradores de rua, crianças, adolescentes, adultos e idosos eram juntamente acolhidos no 57.
O abrigo era mantido com doações e, até mesmo, com o dinheiro que ela recebia da aposentadoria.
"Ela saía à rua e pegava os filhos das mulheres da vida. As mães poderiam ver as crianças a qualquer hora. E, se quisessem ficar no abrigo, ela deixava. O nome dela era Mãe Preta, por quê? Mãe de todos", contou Rosa, 38, prostituta do 51.
"Uma grande mulher. Se Mãe Preta estivesse viva, meus filhos estariam comigo e eu não estaria sem comer", disse.
A partida
Em janeiro de 2012, o casarão 57 foi interditado e Mãe Preta deixada em um asilo para idosos. Mais tarde, foi levada à casa do filho Paulo César Rodrigues de Oliveira, 52, o Zoião, no Pau Miúdo. Em 18 de março de 2012, ela viu pela televisão o casarão ser destruído pelo fogo, pela segunda vez.
"Já estava doente, magrinha, não se alimentava bem. Sentiu uma dor, o pessoal levou para o hospital, mas não teve jeito. Ela queria voltar para a Montanha", contou o filho Zoião.
Ele garante que Mãe Preta teve apenas dois filhos biológicos - ele e uma menina que morreu aos 16 anos. "Sou filho legítimo. Filho de Mãe Preta", enfatizou.
Profissionais do sexo recebiam orientação sobre doenças
O que Mãe Preta fazia pelos rejeitados era mais que dar abrigo e comida. A comerciante Nilza Ferreira Valadares, de 49 anos, conta que ela levava equipes do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids da Bahia (Gapa) para orientar as prostitutas sobre a importância de usar camisinha para proteger contra a Aids e evitar gravidez.
Além disso, conseguia carros para levá-las para fazer exames. Nilza também foi ajudada por Mãe Preta quando um prédio da Santa Casa de Misericórdia, onde morava, desabou. Na ocasião, as duas filhas dela ficaram sob os cuidados da ex-prostituta.
A mais nova ficou com ela dos 3 aos 7 anos. "Mãe Preta fez um grande trabalho com os menos favorecidos. Ela foi muito importante para a comunidade da Montanha. Daqui, graças a ela, saiu gente de bem e várias garotas largaram os programas. Houve descaso com ela, que morreu em condição precária", lamenta.
Coração
"Estou falando com o coração porque vocês chegaram aqui tratando a gente como gente. Muitos jornalistas vêm aqui criticar, falar que a gente vende o corpo por R$ 5, sem saber o que a gente passa", disse Nilza Valadares, emocionada.
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