JOAQUIM FALCÃO
Pragmática, a nova geração de juízes, procuradores e delegados erra aqui e acolá, mas dá mais prioridade aos fatos do que às doutrinas. A Justiça penal não será a mesma depois do mensalão e da Operação Lava Jato.
Tanto na prática de juízes, delegados, procuradores e advogados como nas doutrinas e tribunais, tudo começa a mudar. Que mudanças são essas?
Mudança geracional. Juízes, procuradores, delegados são mais jovens. Fizeram concurso mais cedo. Vivem na liberdade de imprensa, na decadência dos partidos e na indignante apropriação privada dos bens públicos. E não têm passado a proteger ou a temer.
Dão mais prioridade aos fatos do que às doutrinas. Mais pragmatismo e menos bacharelismo. Mais a evidência dos autos –documentos, e-mails, planilhas, testemunhos, registros– do que as lições de manuais estrangeiros ou
relacionamento de advogados com tribunais. Erram aqui e acolá. Às vezes, extrapolam, mas passaram por duro aprendizado institucional com Banestado, Castelo de Areia, Furacão e outras operações. Atentos, buscam evitar nulidades processuais. O juiz, e não mais os advogados, conduz o processo.
Usam de múltiplas estratégias. Jurídica, política e comunicativa. Valorizam a força das imagens, que entram, via internet, televisão, lares e ruas, nos autos e tribunais.
São informados e cosmopolitas. Organizam cooperação internacional com Suíça, Holanda e Estados Unidos. É difícil para a tradicional advocacia individual enfrentar essa complexa articulação entre instituições. Usam com desenvoltura a tecnologia. Extraem inteligência de "big data" (análise de grandes volumes de informação). Aplicam-se em finanças e contabilidade.
As consequências para a advocacia são várias. Plantar nulidades para colher prescrição –o juiz não seria competente, a defesa foi cerceada, o delegado extrapolou poder investigatório etc.– é estratégia agora arriscada. Tribunais superiores não suportam mais serem "engavetadores" de casos que chegam quase
prescritos. Diminuem-se diante do olhar da opinião pública.
Apostar que juízes, procuradores e delegados agem com arbítrio, ferem direitos
fundamentais dos réus, sem clara e fundamentada evidência, é protesto que se
dissolve no ar. Algumas defesas tentam politizar o julgamento. Juízes, delegados e procuradores agiriam a serviço do governo ou dos políticos envolvidos.
Colocam suas fichas que no Supremo Tribunal Federal tudo se resolveria politicamente. É tentativa possível. Nunca deixará de ser. Mas hoje o sucesso é menos provável.
O invisível ministro Teori Zavascki não dá mostras de vergar. Até agora não se conseguiu colocar Curitiba contra Brasília. Nem vice-versa.
Neste cenário, como em todos os países, a defesa preferencial dos réus tem sido a minimizadora de riscos. Contabilizar perdas e danos. Por isso aceitam a delação. Amortecem as condenações individuais dos executivos, oferecendo o apoio empresarial às famílias. Fazem acordo de leniência. Pagam alguns bilhões via Controladoria Geral da União. Vendem ou remodelam as empresas. Assim o país se encontra com nova Justiça e advocacia penal no Estado democrático de Direito.
JOAQUIM FALCÃO, 71, mestre em direito
pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela
Universidade de Genebra, é professor da FGV Direito
Rio.
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