POR ORLANDO SENNA
A seca na Califórnia, entrando em seu quarto ano, é a pior já registrada na região. O governo do estado decretou racionamento severo, redução em 25% do consumo de água em todas as cidades. A ameaça de um colapso aquático no estado maior produtor agrícola dos EUA está estimulando a organização de dezenas de ecovilas, modelo sustentável de comunidade com energia própria e renovável, produção orgânica de alimentos, bioconstrução, poços para coleta de água, economia solidária, compartilhamento de excedentes, gestão participativa, sistemas de apoio familiar e social. É surpreendente (ou não, muito pelo contrário) que um número considerável de ecovilas esteja nascendo na Califórnia, a meca do agronegócio e do agrotóxico.
A gestação das ecovilas começou em 1970 com o surgimento da permacultura, criada pelos ecologistas australianos David Holmgren e Bill Mollison como solução à degradação do solo e desmatamentos causados pelas monoculturas de trigo e soja em seu país. Inspirada na relação saudável das comunidades aborígenes da Austrália com o meio ambiente e nas comunidades alternativas da Contracultura nos anos 1960 e 1970, durante o movimento hippie, a permacultura tem como base “trabalhar com a natureza e não contra ela” e ”cada um tomar para si a responsabilidade de sua própria existência e a de sua família”.
Juntando os conceitos “agricultura permanente” e “cultura permanente”, a proposta australiana que ganhou notoriedade mundial é um manual de implantação e manutenção de sistemas produtivos integrados às características da natureza circundante, com zero de desperdício e reciclagem de insumos, e também uma filosofia de vida, um comportamento mais contemplativo da existência que inclui um constante “diálogo” com o reino vegetal, uma aproximação à “interlocução mágica” dos povos primitivos (como os aborígenes australianos e os índios americanos) com a Mãe Terra, a Pachamama. Na prática, a integração sistêmica de plantas, animais, construções e seres humanos em ambientes produtivos e harmônicos.
A permacultura é um dos princípios e esteios das ecovilas, movimento iniciado em 1995 na Austrália, Dinamarca, Escócia, EUA e Índia e que hoje conta com uma Rede Global de Ecovilas, cerca de 20 mil comunidades registradas em vários países e a distinção da Organização das Nações Unidas-ONU na sua lista das 100 Melhores Práticas para o Desenvolvimento Sustentável. Mais: a Rede Global de Ecovilas é consultora oficial da ONU para assuntos de sustentabilidade, inclusive porque responde concretamente às diretrizes da Eco-92 e da Agenda 21. Nos últimos três anos o número dessas comunidades tem crescido notavelmente em vários países (no Brasil já são mais de 200), um ritmo acelerado ao qual se somam agora as ecovilas californianas.
As ecovilas são como “aldeias” rurais ou urbanas com o máximo de 500 pessoas, em geral menos que isso, que consomem apenas o que produzem ou o que podem trocar com outras comunidades ou pessoas. Respeito absoluto ao meio ambiente, liberdade religiosa e cultural, cooperativismo e rede de trocas norteiam a convivência social, também pautada pela interação estética com a vida, com um toque de arte e espiritualidade em tudo que se faz. A expansão das ecovilas tem a ver com a ameaça do colapso dos recursos não renováveis (crise da água, crise nuclear do Japão, finitude do petróleo, etc), sobre os quais se sustenta o atual modo de vida. Como dizem os permacultores, o ser humano perdeu sua independência na luta pela sobrevivência ao delegar a outros a provisão do que necessita para viver.
Diante desse cenário onde decisões de governos ou empresas, mesmo que estejam do outro lado do mundo, podem causar danos e privações a milhões de pessoas, muita gente está optando por mudar seus paradigmas de consumo, ser totalmente responsável por si. Vamos voltar no tempo, a uma nova Idade Neolítica, a um neotribalismo? Parte da ideia é resgatar aspectos da sobrevivência ancestral mas a outra parte faz toda a diferença com relação ao passado: as novas tecnologias da informação. As ecovilas são conectadas entre si e com o mundo, trabalham com internet, com aplicativos avançados. Uma junção do mais arcaico com o mais moderno, seguindo a Lei da Polaridade de Hermes Trismegisto: os extremos se tocam. Não sei se isso vai adiante ou não, só sei que devemos fazer alguma coisa para mudar tudo, nós mesmos, cada um.
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