domingo, 8 de fevereiro de 2015

FARINHADA EM FLORIANÓPOLIS

Moradores de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, fazem farinhada e resgatam antigos fazeres

Evento inclui lançamento de livro, CD e DVD do projeto Cantares e Fazeres, com incentivo de lei cultural

Moradores de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, fazem farinhada e resgatam antigos fazeres Diorgenes Pandini/Agencia RBS

_ Se farinha fosse americana
mandioca importada
banquete de bacana
era farinhada (cantor e compositor Juraildes Cruz)
Bacana também é ver o processo de produção de farinha. Momento em que o pó branco vai encobrindo tudo. Pessoas, roupas, coisas do engenho. Ninguém e nada ficam imunes a dança da peneira. As etapas da peneiração e do forneio são reconhecidas como as mais bonitas do método. Descendentes de açorianos que a partir do século XVI se juntaram aos carijó que viviam na Ilha de Santa Catarina  procuram manter a tradição.

É o que mostrou o encerramento do Projeto Cantares e Fazeres - Inventário do Patrimônio Imaterial do Distrito de Santo Antônio de Lisboa, na sexta à noite, no Casarão e Engenho dos Andrade, na Rua Caminho dos Açores. A farinhada teve lançamento de livro, CD e documentário. No cardápio, pirão d'água com linguiça.

Um dia antes, a mandioca foi colhida na propriedade de Hercílio Pedro Marciano, 96 anos, na Barra do Sambaqui. Viúvo duas vezes e pai de 17 filhos, é considerado um dos últimos farinheiros. 

A gente viveu um tempo de muitas dificuldades. Mas também uma era de alimento saudável _conta, apreciador de camarão seco no sol (depois de cozido).

Na viagem desse tempo, ele recorda da falta de estradas para escoar a produção até os engenhos da região e movidos à tração animal.

_ O carro de boi carregava tudo: comida, noiva e até defunto.

José Zeno de Andrade, 60 anos, conduziu a junta de bois da roça até o engenho. Foram cerca de 40 minutos pela estrada, alguns trechos de chão. À medida que o carro avançava, o ruído agudo chamava a atenção dos moradores. As servidões estreitas obrigavam motoristas a parar os carros. 

Conhecido por Zé, ele considera a tradição importante para que os jovens não esqueçam da história. Mas reconhece que a produção de farinha ficaria inviável pelo custo caso fosse seguido o método tradicional. 

Manoel Ireno Quirino, 86 anos, também esteve na farinhada. Nascido em Paulo Lopes e há quase 60 anos morador em Florianópolis, é considerado um verdadeiro artista. Faz cestarias, peneiras, tarrafas e outras redes de pesca.

_ Gente pobre como eu não teve professor ou curso. Aprendi vendo minha avó_ conta.

Ireno pode não ter estudado muito. Mas sabe que antes de 1500, quando os portugueses desembarcaram no Brasil, a farinha de mandioca já existia.
_ Farinheiro, farinheiro 
Quem começou a farinhada 
Foi o índio brasileiro, na maloca encantada.
O PROJETO
O projeto Cantares e Fazeres _ Inventário do Patrimônio Imaterial do Distrito de Santo Antônio de Lisboa _ foi contemplado no edital Elisabete Anderle, da Fundação Catarinense de Cultura. O valor foi de R$ 125 mil e inclui oficinas para moradores e alunos da Escola Básica Paulo Fontes. Um dos objetivos é possibilitar com que entrem em contato com a cultura e tradição das comunidades. 

Os estudantes também estiveram no engenho da família Andrade, em Santo Antônio de Lisboa, onde conversaram com moradores antigos e participaram dos processos de beneficiamento da mandioca. O incentivo também possibilitou o lançamento do livro "No tempo da farinha", do jornalista Celso Martins (Amsal/Editora Insular), um CD com cantorias tradicionais produzido pelo músico Marcelo Diniz e um DVD com documentário dirigido por Maurício Muniz. 

O livro com 64 páginas tem como base entrevistas gravadas com antigos moradores, os quais explicam como eram os afazeres no passado, como confecção de redes e cestarias. Exemplares das obras serão disponibilizadas através da internet. Os autores fizeram entrevistas com moradores de Santo Antônio de Lisboa, Sambaqui, Barra do Sambaqui e Cacupé e também foi desenvolvido em parceria com a Associação dos Moradores de Santo Antônio de Lisboa, a Amsal. A coordenação geral do trabalho é do artista plástico Cláudio Agenor de Andrade, também presidente da Amsal.

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