A ofensiva do Exército sírio contra o Estado Islâmico começa em Palmira
O regime aproveita a cessação de hostilidades com os rebeldes para avançar sobre os jihadistas. Com a Rússia e Irão do seu lado, Assad quer marchar até à capital do Estado Islâmico, afugentar o grupo no país e sagrar-se salvador da Síria.
Nunca o regime de Bashar al-Assad pareceu tão próximo do seu fim como quando o grupo Estado Islâmico ocupou Palmira em Maio de 2015. Os jihadistas não precisaram de muito para o fazer: mobilizaram-se para tomar de assalto a pequena cidade de Sukhna, a uns sessenta quilómetros de Palmira, mas as facilidades foram tantas que os seus combatentes acabaram por prosseguir em direcção ao centro do país, matando pelo caminho os soldados sírios e libaneses que fugiam dos seus quartéis, tomados de surpresa pelo seu avanço. Palmira já tinha sido alertada para a aproximação dos jihadistas, mas caiu com quase tanta facilidade como a pequena Sukhna.
A entrada em cena do poder aéreo russo mudou o rumo da guerra civil síria e salvou os destinos de Assad. Esse último dia de Setembro de 2015 marcou o início do ressurgimento do regime, que se pôs na ofensiva passados meses a perder território, homens e meios a um ritmo alarmante. Começou com os rebeldes no Norte do país — sobretudo jihadistas do grupo al-Nusra, mas também contra os poucos não radicais que sobrevivem no terreno. A ajuda das bombas russas foi determinante para avançar sobre Alepo, hoje praticamente cercada. As tropas iranianas e as milícias libanesas do Hezbollah nas linhas da frente também foram cruciais.
O regime insistiu nessa frente de combate até a Rússia avançar com a proposta de uma cessação de hostilidades e serenar substancialmente os combates entre os aliados de Assad e as zonas rebeldes. A trégua — que se aguenta para além de todas as expectativas — permitiu ao regime e seus aliados mobilizarem recursos para começar uma grande ofensiva terrestre sobre o Estado Islâmico, uma batalha que o regime — mais do que qualquer outro — preferiu ignorar durante os últimos anos de guerra civil. A reconquista de Palmira, este fim-de-semana, é apenas o primeiro passo de uma campanha que tem tanto de militar como de propaganda.
O rumo para a derrota do Estado Islâmico na Síria já está traçado. O primeiro objectivo é defender Palmira dos presumíveis contra-ataques jihadistas. Os radicais perderam 400 homens nas três semanas de batalha, mais do que em qualquer outro momento, mas escaparam ainda com muitos veículos e meios antes de as forças sírias, iranianas e russas entrarem na cidade — Moscovo admite agora ter forças especiais no terreno. A seguir as forças leais a Damasco tentarão libertar al-Qaryatayn, onde os jihadistas chegaram em Agosto. Tentarão libertar aí o vasto território de deserto controlado pelos extremistas a sul de Palmira.
“Esse é o próximo objectivo do Exército, que tem igualmente os olhos postos em Sukhna”, reconhece um responsável militar sírio à AFP. Arrancar Sukhna das mãos dos jihadistas é crucial para que Assad e aliados possam avançar para as verdadeiras conquistas contra o Estado Islâmico: Deir Ezzor, onde tropas sírias estão cercadas pelos jihadistas; e Raqa, a sua autoproclamada capital. Fazê-lo destruiria as ligações do grupo com o Iraque e derrubaria quase por completo a presença dos jihadistas na Síria. O eixo Damasco-Irão-Rússia está decididamente na ofensiva, mas a batalha contra os jihadistas ficará mais difícil a partir de agora.
“O Estado Islâmico perdeu uma batalha, mas não perdeu necessariamente a guerra”, alerta Patrick Cockburn, no Independent. “Será difícil ao Exército sírio avançar para leste de Palmira, pelas zonas árabes de linha de dura, onde estará vulnerável a ataques de guerrilha”, explica o veterano jornalista, especializado no Médio Oriente. As ofensivas sobre Raqa e Deir Ezzor, todavia, parecem estar ainda longe. Mas enquanto Assad prepara a frente de combate que o pode sagrar salvador da Síria, o regime e seus aliados aproveitam o capital político de terem reconquistado uma cidade Património da Humanidade das mãos de um grupo jihadista que fazia o seu melhor a publicitar a sua mutilação.
O Le Monde sugere no seu editorial desta terça-feira que Assad sai “consolidado” pela vitória de Palmira e que, enquanto existir um Estado Islâmico, os Estados sírio e iraquiano são os únicos que “dispõem de um mínimo de legitimidade de entre todas as comunidades que compõem esses países complexos”. Para além dos títulos triunfantes nos países aliados — “A libertação de Palmira prova ao Ocidente que Assad combate pela civilização”, lia-se esta terça-feira na Sputnik, controlada pelo Estado russo — o triunfo simbólico de Assad talvez se possa ler no silêncio da maioria dos líderes europeus e, mais evidentemente do Presidente norte-americano, que pouco ou nada disseram sobre a reconquista do património de Palmira.
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