sábado, 7 de novembro de 2015

EM QUANTO ISSO, NA SUÉCIA...

cláudia wallin


Claudia Wallin - Cartas da Suécia


Na sede da Prefeitura e da Câmara Municipal de Estocolmo


Na Suécia, prefeitos não têm direito a residência oficial
Vereadores não recebem sequer salário, e não têm direito a gabinete: trabalham de casa

O fausto é quase babilônico na magnífica sede da Prefeitura e da Câmara Municipal de Estocolmo, às margens da baía de Riddarfjärden. Mas só por um dia do ano. Todo 10 de dezembro, aniversário da morte do químico e industrial sueco Alfred Nobel, a realeza da Suécia preside ali, entre fanfarras e trompetes, o suntuoso banquete de gala em homenagem aos vencedores do Prêmio Nobel.
A festa é colossal como a crise de remorsos que se abateu sobre Nobel, anos depois de ele ter inventado a mortífera dinamite em 1867. A história do inventor sueco é peculiar, pois, até onde a razão humana alcança, não é qualquer um que vive a experiência de ler o próprio obituário. Mas foi o que aconteceu com Nobel. Sob o título ”O mercador da morte está morto”, um jornal francês anunciara a morte do Nobel errado – era Ludwig Nobel, o irmão de Alfred, quem havia deixado a existência terrena naquele ano de 1888.
”O doutor Alfred Nobel, que fez fortuna descobrindo uma forma de matar o máximo de pessoas no tempo mais curto possível, morreu ontem”, dizia o texto do equivocado obituário, escrito por um espírito errante.
”A história do erro do jornal ao anunciar a morte de Alfred Nobel é terrível, mas verídica”, confirma Annika Pontikis, da Fundação Nobel.
As palavras do obituário atingiram Nobel como uma banana de dinamite. Vivíssimo, ele, que há tempos planejava distribuir sua riqueza em nome da pesquisa científica, decidiu definitivamente não entrar para a história como o pai da dinamite.
Em seu testamento, para desespero de parentes e agregados, o inventor sueco doou quase toda a sua incalculável fortuna para a criação de um prêmio anual destinado àqueles que, através de pesquisas em diferentes campos do conhecimento, contribuíssem para o desenvolvimento da humanidade. A premiação foi instituída em 1901. A partir de 1930, a sede da Prefeitura e da Câmara Municipal de Estocolmo (Stadshuset) passou a abrigar o banquete do Prêmio Nobel com impecável pompa e circunstância.
O evento acontece no imponente Salão Azul (Blå Hallen), que não é azul: o arquiteto sueco Ragnar Östberg achou por bem, no último minuto, não pintar os tijolos vermelhos originais. O traje obrigatório é o fraque. Para receber os 1.300 convidados do banquete, serviçais de luvas brancas dispõem nas mesas 6.730 peças de porcelana, 5.384 taças e 9.422 talheres de prata. Mais de 20 mil flores enviadas anualmente por San Remo, a cidade da riviera italiana onde Alfred Nobel viveu seus últimos anos e veio a falecer em 1896, decoram o ambiente.
A partir da entrada da procissão real no Salão Azul, tudo é perfeitamente sincronizado. Das altas escadarias que conduzem ao salão, mais de 200 garçons descem compassadamente em direção às mesas com suas enormes bandejas e copiosas quantidades de iguarias – que em uma ocasião incluíram 2.692 peitos de pombo, 475 caudas de lagosta e 45 quilos de salmão delicadamente defumado. O banquete é encerrado com um baile de gala no esplêndido Salão Dourado da Stadshuset, onde a Família Real, políticos suecos, vencedores do Nobel e convidados rodopiam entre paredes revestidas por 18 milhões de peças de mosaico em ouro e vidro.
Mas quando a festa acaba e os políticos voltam, a situação é bem diferente. Na Suécia, prefeitos não têm direito a residência oficial. Vereadores não recebem sequer salário, e também não têm direito a gabinete: trabalham de casa.
É uma manhã de sábado quando eu e o cinegrafista Casimir Reuterskiöld teclamos no GPS do carro o endereço da vereadora social-democrata Karin Hanqvist, a fim de gravar a reportagem para o Jornal da Band. O prédio fica nas cercanias do aeroporto de Bromma, valorizado bairro de Estocolmo. OBS: Há imagens da vereadora Karin em seu apartamento, trabalhando de casa, no vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=bTBZBAbKU8I

O pequeno apartamento de dois quartos é modesto. Na mesa da cozinha, que é aberta para a sala, está o computador que Karin recebeu emprestado da Câmara Municipal para trabalhar de casa como vereadora. Ela conta que recebe apenas uma gratificação de i.533 coroas suecas (cerca de 235 dólares) por mês para exercer a função de vereadora. Salário de verdade ela ganha como funcionária de uma creche, ”um emprego normal, como tem qualquer vereador”:
”Somos cidadãos comuns, eleitos para representar o cidadão comum. E cidadãos comuns trabalham em empregos normais”, disse Karin diante da câmera.
São ao todo 101 vereadores na Câmara Municipal de Estocolmo, eleitos em eleições proporcionais que acontecem a cada quatro anos, paralelamente às eleições gerais para o Parlamento e para as assembléias regionais (Landstingsfullmäktige).
As sessões na Câmara acontecem esporadicamente, como é comum na maioria dos países. Numa engenhosa dedução, os suecos compreenderam que não faria sentido pagar salário aos vereadores, uma vez que a função não exige dedicação em tempo integral.
”Na Suécia, a função de vereador é considerada um trabalho voluntário”, diz Hanna Brogren, Diretora de Comunicação da Prefeitura de Estocolmo.
Nas assembléias municipais de toda a Suécia, 97 por cento dos políticos não recebem salário.
”Temos uma lei que permite a um vereador se ausentar por algumas horas do trabalho, quando necessário, para se dedicar à atividade política. Nestes casos, a Câmara ressarce o vereador pelas horas não trabalhadas que seu empregador desconta do salário”, explica Hanna.
Como Karin Hanqvist, os vereadores suecos têm empregos regulares onde trabalham em tempo integral, paralelamente às atividades políticas na Câmara Municipal – as exceções são os aposentados ou estudantes que se elegem como vereadores. Pela função, suplentes de vereador recebem 867 coroas mensais. Vereadores ganham, além da gratificação mensal de 1.533 coroas suecas, um adicional de 980 coroas suecas (cerca de 150 dólares) por sessão realizada na Câmara.
”Se um vereador participa apenas de parte da sessão, pagamos apenas a metade do valor do adicional”, diz Ida Strid, do Secretariado da Câmara Municipal de Estocolmo.
Estava bom, mas poderia ficar melhor. Os suecos ponderaram que ainda havia gorduras a cortar: atualmente, nenhum vereador tem mais direito a receber o computador emprestado, que ao final do mandato era diligentemente devolvido à Câmara.
”Hoje em dia, a maioria das pessoas têm seus próprios computadores e celulares, e vários vereadores usam um iPad durante as reuniões”, diz Ida. ”Por isso, nos pareceu ser uma solução mais moderna dar aos vereadores apenas uma contribuição de 200 coroas suecas por mês (cerca de 30 dólares) para contribuir com gastos de assistência técnica para seus próprios computadores”, pondera Ida.
Vereadores também não recebem telefones celulares, nem têm suas contas telefônicas pagas pela Câmara.
”Os vereadores não têm direito a telefones celulares, nem são compensados por nenhum telefonema. Apenas o prefeito e os vice-prefeitos têm celulares pagos pela Prefeitura”, observa Ida Strid.
Pergunto a ela se os vereadores têm algum tipo de benefício, como auxílio-transporte.
”Não. Mas se a sessão na Câmara se estender além das dez da noite, eles podem pegar um táxi para casa. Além disso, eles têm direito a estacionamento gratuito nas noites em que há sessão na Câmara”, responde ela.
Algum outro benefício?
”Sim. Os vereadores têm o benefício de receber gratuitamente o jornal do Parlamento, ”Riksdag&Departement”, e a publicação da associação de empregadores dos condados e municipalidades, ”Dagens samhälle””, diz Ida Strid.
Apenhas um punhado de políticos recebe salário para trabalhar em tempo integral na Câmara Municipal e na Prefeitura. Na Câmara, o presidente da assembléia e seus dois vice-presidentes recebem, respectivamente,  69.030 coroas suecas e 34.515 coroas suecas mensais. A Câmara é presidida por uma mulher, Margareta Björk, e a maioria dos vereadores também é composta por mulheres.
Na Prefeitura, a lista de assalariados inclui o prefeito e os 11 vice-prefeitos. O salário do prefeito de Estocolmo é de 116,8 mil  coroas suecas mensais (cerca de 17,8 mil dólares). Vice-prefeitos recebem 94,400 coroas (cerca de 14,5 mil dólares), se ocupam o cargo há menos de quatro anos, ou 106,400 coroas (16,2 mil dólares), caso estejam na função há mais tempo. Os salários do prefeito e dos vice-prefeitos são atrelados a acréscimos nos vencimentos dos ministros de Governo.
Um pequeno grupo de pessoas de diferentes partidos políticos também recebe remuneração especial para desempenhar atividades em tempo parcial ou integral, como a participação no conselho de empresas municipais.
”Além dos vereadores, que recebem uma gratificação, apenas um total de 23 políticos recebe remuneração por atividades realizadas em regime parcial ou integral de trabalho na Prefeitura e na Câmara de Estocolmo”, detalha Ida Strid.
Na Suécia, o prefeito é na verdade o político que detém o cargo definansborgarråd (vice-prefeito encarregado das Finanças). No sistema sueco, os vereadores elegem o prefeito, os vice-prefeitos e o Conselho Municipal Executivo ((Kommunstyrelse), que é o órgão decisório do poder municipal.
Como a grande maioria dos vereadores trabalha em tempo integral em empregos comuns, eles contam com auxílio para pesquisar todos os aspectos de uma decisão a ser tomada na Câmara: cabe ao Conselho Municipal Executivo entregar aos vereadores uma compilação de todos os fatos e propostas envolvidos em uma questão, a fim de que eles possam tomar uma decisão.
Entre os 11 vice-prefeitos, sete pertencem aos partidos que detêm a maioria na Câmara, e quatro são da oposição.  O prefeito e cada um dos sete vice-prefeitos dos partidos majoritários dirigem departamentos com responsabilidades específicas sobre cada área de atuação do poder municipal, como as secretarias de Educação, Planejamento Urbano, Meio-Ambiente e Cultura.
Juntos, o prefeito e os onze vice-prefeitos formam o Conselho de Prefeitos, e preparam questões a serem elaboradas pelo Conselho Municipal Executivo. O Conselho é também a autoridade responsável por garantir que todas as decisões políticas sejam implementadas, acompanhadas e avaliadas. Formado por 13 membros de partidos do governo e da oposição, o Conselho é auxiliado em suas funções por dois órgãos administrativos. O prefeito preside tanto o Conselho de Prefeitos como o Conselho Municipal Executivo.

A transparência é a norma: atos, documentos, propostas e decisões da Câmara Municipal e do Conselho Executivo Municipal da Prefeitura são publicados periodicamente na internet. Os moradores de Estocolmo podem se registrar no site para receber automaticamente, via email, minutas de reuniões e a pauta de atividades dos comitês.
O Conselho também emprega 20 auditores indicados pela Câmara, que fiscalizam as finanças e operações de toda a municipalidade.Seus relatórios são publicados na internet.
Com cerca de 860 mil habitantes, Estocolmo é a maior das 290 municipalidades da Suécia. Na região de Estocolmo, a população é de cerca de dois milhões de pessoas.

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