sexta-feira, 27 de novembro de 2015

MEU TIO SOU EU

Moro numa casa mais que centenária do bairro mais antigo da mais velha capital do Brasil. Quatro níveis desde o jardim até meu quarto. 
É muita escadaria em madeira de lei, iluminada por lanternas catadas em adelos secretos. Redes espalhadas para todas as horas. Não tenho carro nem celular e veja bem: sobrevivo! 

Abro – quando abro - a televisão somente na hora do noticiário do Boechat. Se, por ventura, ouso ultrapassar as fronteiras de meu bairro, pego um ônibus/carcaça. Sempre lamentando que os transportes públicos sejam privados. Paradoxo! Estou com pressa? Chamo um taxi, rezando para que não tenha vídeo acoplado ao volante e que não me impinja seu ar condicionado e poluído. 

Fora algum desejo louco de creme de leite fresco ou mostarda francesa que me obrigue a procurar uma delicatessen – que nome mais idiota! - compro tudo na padaria e quitandas da redondeza. Gosto do comércio de rua. Nada de enlatados, nada que aparente ter conservante ou corante. Como certa vez falou um ex-reitor da Ufba com quem acabei brigando, sou um ecochato. Odeio supermercado como detesto shopping center onde me sinto mais mercadoria que gente. 

Fujo do consumismo. Não compro roupa de grife. Roupa simples me faz sentir confortável. Já tive ternos de alfaiataria, camisas sob medida, sapatos italianos. Era jovem. Há muitas décadas que deixei de ser dândi. E com minha barriga...

Se, por algum descuido, me convidarem para uma festa no play-ground de um edifício de muitos andares, hesito tanto antes de aceitar que geralmente encontro motivo para ficar numa poltrona lendo algo de minha modesta biblioteca, com um copo de bom vinho tinto.

Lendo estas mal traçadas, o eventual leitor já deve ter um quê de déjà vu. Pois é... Apesar de ateu, sou uma das inúmeras e possíveis reencarnações do personagem de Jacques Tati (-scheff), aquele velho que se perde no jardim modernoso e ridículo dos primos, Meu Tio, obra-prima do cinema francês.




Um comentário:

  1. Adoro Trafic.
    Destaque para a sequência de gente enfiando o dedo no nariz.

    ResponderExcluir

Related Posts with Thumbnails