Em adesão à campanha #AgoraÉQueSãoElas, abro meu perfil pessoal para a publicação do texto abaixo, de autoria da jovem escritora Thamyra Thâmara:
Numa conversa no ônibus, duas mulheres conversavam sobre serem totalmente contra a legalização do aborto "como é que pode em pleno século XXI a mulher engravidar sem querer", "ela precisa arcar com a consequência da sua irresponsabilidade" ,"eu não sou a favor da morte, sou a favor da vida", e outros comentários do tipo iam sendo pontuados.
Com o desenrolar da conversa uma amiga perguntou à outra: "se você fosse violentada tiraria?". Ela respondeu: "claro, com certeza! E você? Abortaria o filho fruto de um estupro?", "SIM". Sem ter que pensar muito aquelas duas mulheres, que eram contra o aborto e a favor da vida, disseram em alto e bom som que abortariam em caso de sofrerem uma violência sexual. O que estava em jogo ali não era a vida em si, se a vida do feto era tão importante como a da mãe porque também não deveria ser poupado nos casos de estupro? Aos poucos fui percebendo que a questão ali era outra, era moral do tipo "fez, agora aguente as consequências" "transou sem camisinha? Antes do casamento? Agora aguenta!" .
As mulheres que optavam pelo aborto eram vistas como vadias, imorais e inconsequentes "a partir do momento que for legalizado vão querer abortar toda hora". A questão não era a vida do embrião, apesar de esse ser um dos valores irrefutáveis, quem poderia dizer não ser a favor da vida? Mas a mesma vida que defendiam em caso de abordo era a mesma vida que seriam capazes de abortar em caso de estupro, afinal "eu não fiz nada para aquilo acontecer, não é minha culpa, posso tirar".
É claro que a mulher violentada não é culpada e a lei brasileira já aceita interrupção nesse caso. A questão aqui não é essa. O que estou querendo levantar é que, na verdade, ser contra a legalização do aborto não é necessariamente ser a favor da vida. É, em muitos casos, uma questão estritamente moral e sem muita informação.
Algumas questões:
1. "Com a legalização do aborto vai aumentar o numero de pessoas que abortam"
Em países onde o aborto não é crime como Holanda, Espanha, Alemanha e Uruguai foi observada uma taxa muito baixa de mortalidade e uma queda no número de interrupções, porque passa a existir uma política de planejamento reprodutivo efetiva. O aborto por mais que seja feito em uma clínica ou hospital com segurança e higiene é um 'evento' traumático. Ninguém quer sair por aí abortando como se fosse andar de bicicleta. Ninguém vai decidir abortar porque é legalizado e nem decidir não abortar porque não é legalizado. O que leva uma mulher a não querer seguir com a gravidez são inúmeros fatores desde o medo, a vergonha, a falta de condições financeiras, o desespero, a falta de apoio paterno e da família, não se sentir preparada, entre outros.
2. "Aborto deve ser uma questão de saúde pública e não penal"
No Brasil, aborto é crime previsto pelo artigo 124 do Código Penal, com pena até 4 anos de prisão. Entretanto, a lei proibitiva não tem impedido que as mulheres abortem, mas tem se mostrado muito eficaz para matar essa mulheres, em sua maioria, mulheres pobres e negras que não têm acesso as clínicas privadas e acabam interrompendo a gravidez em casa, com métodos caseiros. Segundo os dados da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), por ano acontecem um milhão de abortos clandestinos no Brasil e a cada dois dias, uma brasileira (pobre) morre por aborto inseguro.
3. "Se homens pudessem parir, o aborto já tinha sido legalizado"
Cadê o pai? Em muitos casos em que a mulher decide não prosseguir com a gravidez é por não ter apoio paterno para prosseguir com a mesma. Onde estão os homens, que depois que recebem a notícia que a mulher esta grávida vão embora ou desaparecem? Porque os homens podem decidir se vão querer aquela gravidez, ou não, sem serem criminalizados? A responsabilidade é do homem e da mulher e deve ser compartilhada de forma mútua.
4. Como seria a legalização do aborto?
No Uruguai, o aborto pode ser feito por qualquer motivo até a 12ª semana de gestação, até a 14ª semana de gestação em caso de estupro, e a qualquer momento em caso de má-formação do feto ou risco de vida para a mãe. Há acompanhamento médico feito por uma equipe formada por um ginecologista, um psicólogo e um assistente social, e cinco dias de reflexão para que a mãe tenha certeza da decisão. Existem casos das mulheres desistirem depois do acompanhamento psicológico. O país descriminalizou o aborto em outubro de 2012, e tem experimentado quedas vertiginosas, tanto no número de mortes maternas, quanto no número de abortos realizados. Segundo números apresentados pelo governo, entre dezembro de 2012 e maio de 2013, não foi registrada nenhuma morte materna por consequência de aborto e o número de interrupções de gravidez passou de 33 mil por ano para 4 mil. Isso porque, junto da descriminalização, o governo implementou políticas públicas de educação sexual e reprodutiva, planejamento familiar e uso de métodos anticoncepcionais, assim como serviços de atendimento integral de saúde sexual e reprodutiva.
Por último, para ser a favor da legalização do aborto, não preciso ser a favor do aborto, ou seja, se o aborto for legalizado no Brasil você não vai precisar abortar.
@thamyrathamara
Foto do Facebook de Thamira Thâmara.
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