... CULTURA SEM TEATRO
Dia 11 de fevereiro. Em meio ao rebuliço do carnaval, leio duas notícias relacionadas ao Governo Estadual que se complementam.
A Bahiatursa, presidida pelo filho de Marcos Medrado, que virou aliado e deu votos para a eleição de Rui Costa, destinou 230 mil reais para uma festa privada capitaneada por Bell Marques. Diogo Medrado declarou a um blog que “É uma festa tradicional e que cerca de 30% do público é formado por turistas. Por isso, fizemos lá uma ação promocional do ‘destino turístico Bahia’”. Além disso, Bell Marques daria a grande, fundamental e inequívoca contribuição de divulgar a Bahia nos próximos dez shows que fizer fora do Estado, segundo o mesmo blog.
Enquanto isso, a Fundação Cultural do Estado da Bahia cancelou a Mostra Baiana no Festival de Curitiba. Segundo o jornal A Tarde, A coordenadora de Teatro da Fundação Cultural, Maria Marighela, falou que “não se poderia impactar o orçamento da nova gestão sem maiores discussões”. Para quem não conhece, a Mostra Baiana levou, durante dois anos, espetáculos baianos para o Festival de Curitiba, numa mostra paralela que eu pude atestar ser de interesse do público local. Indo a outras peças, ou na bilheteria no teatro onde acontecia a mostra, pude ouvir comentários superlativos até mesmo de que a Mostra Baiana era mais interessante que a oficial. Exageros à parte, havia um reconhecimento bacana para o teatro baiano, além do kit com dezenas de peças e um pendrive com o vídeo das mesmas para curadores e coordenadores de festivais. Tudo isso pelo valor, também segundo A Tarde, de 300 mil reais.
As notícias se complementam porque mostram como orçamentos, valorações e filosofia de governo podem ser evidenciadas em duas ações tão distintas, mas, por isso mesmo, representantes de um pensamento sobre a Bahia.
Com a maior facilidade, em pouco tempo de gestão, a Bahiatursa conseguiu 230 mil reais para uma festa privada, de um dia, contemplando apenas um artista/produção, num evento privado com ingressos no valor de R$180 a inteira. Claro que correríamos o risco de ouvir Bell Marques elogiar o Tibet, ou o Deserto de Atacama, e é um grande favor e contribuição falar da Bahia nas próximas apresentações dele, mas mesmo assim, daqui “do baixo” da minha ignorância sobre turismo, pareceu-me uma ação onde o custo benefício não foi, digamos, ideal.
Nesse mesmo dia, fico sabendo, pelo site do jornal A Tarde, que uma mostra do teatro baiano, com diversas apresentações de diversos espetáculos baianos, foi cancelada pelo impacto financeiro de… De? Pois é, 300 mil reais. A notícia ainda veio num momento onde o Festival de Curitiba, por conta de corte de orçamento baiano, passou a bancar parte significativa da mostra, em seu segundo ano, reforçando o interesse deles e a importância da gente.
A primeira coisa que verifico, quando vou ao Rio ou a São Paulo, são os espetáculos em cartaz. É a minha programação oficial, junto a exposições e mostras. Pra muitos, sei que é o mesmo. A qualquer época do ano em que formos lá, veremos arte para todos os gostos (já passei um carnaval em Sampa, por conta de um desfile em que acompanhei Ildásio Tavares que era homenageado da Nenê da Vila Matilde, e vi 3 peças durante o período).
Estou sendo precipitado em questionar a gestão da Bahiatursa, eu sei. Diogo Medrado pode vir com um plano revolucionário para o turismo baiano e calar minha boca. Mas recentemente escrevi um artigo criticando o réveillon de Salvador, feito pela prefeitura, justamente pela cultura de festa excessiva, algo que venho batendo constantemente aqui no site. Não se pensa uma Salvador em constância de programações e atividades. Tudo é circunscrito a um período de poucos dias, um carnaval, um megaxou na praça. Fala-se tanto em crise do Axé, e, ao invés de se buscar perceber outras potencialidades, injeta-se milhares, milhões de reais para salvar uma indústria que, ao contrário, foi vampiresca, fechada num grupo que enriqueceu e se beneficiou sozinho, não soube se renovar, foi decaindo como toda monocultura e, mesmo assim, com seu egoísmo e ganância, ainda acha entre amigos, sócios, admiradores do poder público uma potente verba em investimentos.
O teatro, coitado, ao contrário, segue, como sempre, mal das pernas. A própria Mostra Baiana, para mim, tinha como defeito o não oferecimento de cachê aos artistas, que iam com tudo pago: alimentação, transporte e hospedagem. Mesmo assim, todos iam, no afã de viajar com sua peça, mostrar a cara, e pelo retorno que uma vitrine dessas pode ter para nossa cultura e nosso Estado.
Tenho plena convicção que nem Maria Marighella e nem Fernanda Tourinho ficaram felizes em cancelar a mostra. Mas não depende delas, elas precisam de grana, de 300 mil reais que poderiam vir, inclusive, da Bahiatursa, se essa percebesse o potencial turístico que outras artes de Salvador podem ter, para fortalecer o turismo ao longo do ano e, de quebra, tirar a pecha de que Salvador é boa pra vir no verão tomar cachaça e beijar na boca, somente.
O teatro baiano, de forma intermitente, vem tendo sucesso por onde passa, sempre destacando-se e revelando atores para a TV e o cinema, e dando projeção à nossa província. Mas a Bahiatursa prefere investir 230 mil numa festa de Bell Marques, cujo último sucesso significativo foi, que eu lembre… Ganhar 230 mil do Governo Estadual para uma festa privada com ingressos a 180 reais.
Gil Vicente Tavares
Encenador, dramaturgo, compositor e articulista. Doutor em artes cênicas e diretor artístico do Teatro NU.
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