quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O QUE A BAHIA NÃO TEM?

Malu Fontes*
Cantada em prosa e verso desde as canções de Caymmi até os versos mais novinhos dos hits da axé music, a Bahia não vem sendo sinônimo de terra da felicidade e oportunidade para muitos de seus próprios filhos. Ao anunciar esta semana que a população brasileira ultrapassou a barreira dos 200 milhões de pessoas, o IBGE divulgou também os dados sobre os fluxos migratórios entre as diferentes regiões do país. Os números não devem ser lidos lá com muito orgulho pelos baianos e seus governantes, afinal, antes de qualquer outro argumento socioeconômico, se há algo quase deformado no comportamento baiano é a autoestima e a crença de que aqui tudo é melhor do que em qualquer lugar do mundo. E se aqui é o melhor lugar do mundo, por que os baianos vão embora?
 
Portanto, não é comemorável o fato de a Bahia ser o estado que ocupa o 1º lugar no ranking dos que exportam população para outras regiões, principalmente para o Sudeste. Embora a imprensa nacional trate de forma hiperbólica a pobreza em estados como o Piauí e o Maranhão, o Piauí e sua população estão entendendo-se muito bem e, durante todo o ano de 2013, o Maranhão mandará para fora de suas fronteiras cerca de 38 mil pessoas, enquanto a Bahia, isolada no desconfortável 1º lugar de exportadora de gente e mão de obra, mandará para outras regiões 50.700 habitantes.

Se a Bahia é tão encantadora e se os discursos governamentais asseguram nas propagandas oficiais o quanto houve de melhoria nas condições de vida na região Nordeste e Norte, por que os fluxos migratórios nacionais insistem em desmentir os discursos oficiais. Apesar do crescimento da industrialização, da ascensão das classes C e D e dos programas de transferência de renda do governo federal, a região e, sobretudo a Bahia - se é verdade que os números não mentem - ainda deixa seus cidadãos à deriva quando se trata de oportunidades de uma vida melhor. 
 
Ou, pior que isso: muitos que migram o fazem não em busca, necessariamente,  de um grau a mais na qualidade de vida cotidiana, como a possibilidade 
de um salário melhor ou de educação para os filhos. Partem, infelizmente, em busca  da sobrevivência, de um salário, seja qual for, o que jamais tiveram ou 
teriam em seus torrões, marcados secularmente pelo atraso crônico perpetrado por coronéis que repassam o poder de geração em geração. Ou alguém pensa que foi por ambição salarial que os oito maranhenses mortos entre as dez  vítimas fatais no desabamento do edifício em obras em São Paulo entraram num ônibus para cruzar o país e viverem amontoados em condições sub-humanas em alojamento de obras? 

Ainda sobre o que é que a Bahia não tem para que parte de sua população considere como a melhor saída a rodoviária e o aeroporto, não custa pensar em categorias muito distintas mas que, individualmente, talvez tenham muito a dizer sobre o atual estado de coisas na terra mítica da felicidade: o que os jovens das cidades mais pobres do interior ou das periferias da capital podem antever como perspectiva de vida futura em termos de formação, empregabilidade e renda futuras? E os turistas que compram a Salvador dos cartões-postais e que têm chegado aqui nos últimos anos, que atrativos mesmo têm encontrado para desfrutar? Do jeito que as coisas aparecem a olho nu (embora sempre haja estatísticas para dizer que caminhamos para o melhor dos mundos e que outrora habitávamos o inferno), é bom rezar para que não estacionemos na terra do “tem, mas acabou”, o mantra repetido nos botecos de Salvador quando o cliente quer uma bebida ou comida que está no cardápio, mas em falta na casa.
* Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Ufba

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