JC Teixeira
Gomes
A decisão do
Supremo, admitindo novos embargos no prolongado julgamento do mensalão, pode
ser encarada de várias maneiras: para o juiz Celso de Mello, o dia foi de
triunfo da retórica excessiva, que explica a lentidão e o congestionamento dos
tribunais; para os criminosos do PT e seus patrocinadores, um dia de vitória e
de desafogo; para os brasileiros, mais um dia de humilhação, desencanto e
vergonha.
A exaustiva veemência com que Mello
defendeu os embargos infringentes, que se utilizam contra decisões não
unânimes, poderia passar a impressão de que os réus do mensalão já condenados
haviam sido injustiçados por aquela Corte. Nada mais enganoso. Durante vários
anos, todos eles usaram fartamente um poderoso arsenal de manobras para fugir das
punições. Houve um verdadeiro dilúvio de questionamentos, intervenções, medidas
protelatórias, usados sem cessar por um batalhão de advogados, pagos a peso de
ouro (não raro com sobras do próprio mensalão) para escapar da lei.
Quando parecia que esse arsenal tinha sido
exaurido, a aparição, no cenário jurídico, de novos juízes, como Roberto
Barroso e Teori Zavascki, logo apontados como simpáticos à causa dos
condenados, definiu, afinal, a aplicação dos embargos “salvadores”, com a
entusiasmada adesão dos juízes Lewandowski e Toffoli, menos juízes no processo
do que advogados de defesa dos beneficiários da corrupção.
O primeiro erro que o STF cometeu nesse
processo foi o de questionar a vigência dos embargos infringentes. A questão
que deveria ter sido logo colocada era saber se, na fase a que tinha chegado o
processo, não era afrontosa a aceitação ética de um instrumento notoriamente
protelatório, destinado sobretudo a evitar a prisão dos ladrões dos cofres públicos.
Sete anos se passaram com a defesa dos réus
plenamente assegurada. Nunca, antes, no Brasil, um julgamento se fez tão às
claras, com o povo acompanhando diariamente os debates, que levaram a decisões ajustadas
ao vasto elenco dos fatos divulgados. Tudo evidenciando a necessidade de
condenação das lideranças petistas comprometidas com o publicitário Valério na
ladroagem do dinheiro público. Do dinheiro farto, que estava faltando para
construir escolas, aparelhar hospitais, aumentar a segurança pública,
reorganizar a vida urbana, levar o progresso ao interior e ao campo.
Abalado com mais essa protelação,
obrasileiro não consegue entender por que os condenadosterão o direito de
insistir em novos recursos, se todos aqueles até agora amplamente utilizados
não foram capazes de eliminar a convicção geral da sua culpabilidade. As
mágicas dos setores comprometidos não podem mascarar a evidência dos fatos. A
esquerda fanática ou interesseira, que gosta de inventar heróis, não conseguirá
transformar Genoíno no Robin Hood do Araguaia, nem Dirceu no campeão da pobreza
desassistida. O primeiro foi elogiado no plenário do STF pelo novato juiz
Barroso,em atitude insólita, pois continuará julgando o homem que, presidindo o
PT, autorizava o publicitário Valério a tomar os empréstimos fraudulentos. E
Dirceu era o ministro que, na sala contígua à dopresidente Lula, assegurava o
suborno parlamentar, a compra dos votosque esfacelava nossa frágil democracia.
Esse raro e impressionante julgamento, que
começou com a gravidade de uma tragédia de Shakespeare, ameaça terminar como
uma pantomina circense. Não é bom para o país que um juiz se comporte como um
robô jurídico, infenso ao “clamor das ruas”, principalmente se, no país em
questão, a Justiça, tradicionalmente, se mostra sensível à pressão do poder.
Punir é sempre doloroso, mas o ladrão dos recursos públicos já puniu a
sociedade.
A crença na justiça independente que o STF
plantou nos brasileiros com as condenações de 2012 desabou na última
quarta-feira, soterrada pelo verbo diluvial do ministro Mello. Tudo deixa claro
que a insensibilidade dos tribunais na aplicação das leis pode favorecer a
dissolução moral da sociedade, diante do afrontoso triunfo da impunidade que,
na vida pública, é o mais danoso, persistente e irremediável
dos males brasileiros.
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