O que se observa atualmente dentro das salas de exibição cinematográfica é um, por assim dizer, ato de selvageria, que determina os gestos predatórios, os comportamentos esdrúxulos e incompatíveis com o homem civilizado. O filme pouco importa para aqueles que o assistem nos complexos (Multiplex, Cinemark…), constituindo-se num mero pretexto – ou, mesmo, consequência – do ato de ir ao shopping ou, se quiser, shoppear.
Após a tomada do circuito exibidor pelas multinacionais estrangeiras, com a entrada em cena dos complexos Multiplex, e, depois, outros complexos (Cinemark…), conseguiu-se fechar os cinemas de rua, restando, apenas, pequenos oásis fora desse esquema, podendo-se observar, desde 1998 – data da inauguração do Multiplex, uma mudança nos hábitos, nas maneiras, no comportamento diante do espetáculo cinematográfico.
Estimulados pelo modelo americano, os jovens associam o cinema à pipoca e as empresas procuram lhes dar a consciência de que é preciso comer para ver. Assim, a comilança tornou-se uma regra, com as companhias estabelecendo em suas salas de espera verdadeiros centros de fast food. O comer para ver virou um reflexo condicionado a ponto de os jovens não admitirem assistir a um filme sem a complementação das bacias de pipocas e refrigerantes gigantescos, além de hambúrgueres variados.
E, para pasmo geral, como não bastassem tal festim de colesterol, vendem-se, agora, dentro das salas, os estimulantes guloseimosos que tanto desesperam os cinéfilos que gostam, em paz e sossego, de ver um filme. Acrescente-se a isso, as conversas laterais, o atendimento solícito de celulares em plena audiência fílmica, os risos fora de hora, que geram a total ausência de integração entre a emissão da obra cinematográfica e a sua recepção. Para o amante do bom cinema, ir aos complexos de salas tornou-se um inferno. Registram-se, com isso, dois fenômenos: o da incivilidade e o da falta de educação.
Mas o interessante a observar é que no passado havia certo respeito, um comportamento diferente mesmo nos chamados cinemas populares, os poeiras. Se, atualmente, nota-se uma apatia e desinteresse diante do filme, o que se observava antes era uma interação, ainda que barulhenta em salas de segunda, entre o público e o espetáculo cinematográfico. Gritava-se e batia-se nas cadeiras (de pau) quando a cavalaria chegava a tempo de salvar os personagens de um ataque de índios, torcia-se pelo herói, aplaudia-se um beijo romântico etc.
Qual a causa dessa selvageria, dessa decadência, dessa brutalidade? Entre outros fatores, um poderoso: a influência devastadora da teledramaturgia que condicionou o receptor a uma passividade absoluta. Considerando que um filme tem uma duração limitada, todo e qualquer plano lhe é importante. O que não ocorre na televisão com as novelas, pois, aqui, o enchimento tradicional de linguiça se faz no sentido de possibilitar a quem as assista uma desatenção já prevista.
Assim, quem assiste a três capítulos de uma novela pode deixar de ver quatro ou cinco e quando retorna encontra a história perfeitamente inteligível. A história é sempre repetida em vários ângulos a fim de dar ao receptor uma possibilidade de encontrá-la sempre compreensível. Resultado: a deformação provocada pela teledramaturgia televisiva – no modo de recebê-la, no modo de assisti-la fez com que a nova geração pratique a mesma atitude descompromissada quando diante de uma obra cinematográfica.
Pensa-se numa choldra de débeis mentais, numa escumalha de aloprados imberbes, alucinados diante da tela luminosa da sala de projeção. Uma patuléia desvairada que se agita no escuro à procura de um modo de ser mais peculiar às tribos ágrafas. Ir aos complexos, hoje, principalmente nas sessões vespertinas de fim de semana, é um convite ao desespero, salvo se a pessoa também faz parte dessa patuleia, dessa choldra, dessa escumalha.
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