segunda-feira, 23 de setembro de 2013

MARAGOGIPE: REFLEXÕES DE UMA MUSEÓLOGA



Reflexões sobre a festa de São Bartolomeu em Maragogipe

Maragogipe se desenvolveu junto com a devoção a São Bartolomeu. Foi no entorno da Igreja Matriz que a cidade tomou impulso, e cresceu. A “Festa de Agosto”, como ficou conhecida, era um marco na cidade. Todos os anos era ansiosamente esperada pela população, que se engalanava toda para vivenciar os três dias dedicados ao Padroeiro.

Na Igreja, as novenas louvavam a São Bartolomeu com seus cânticos executados pelo coral sob a Regência do Maestro Eduardo Vieira de Mello, que ao órgão requisitava ainda, para os dias finais das novenas e a missa da festa, músicos de Salvador que chegavam para tocar violinos, violoncelo, flauta, cantando missas famosas em latim, e cânticos de sua autoria como o Hino a São Bartolomeu, Tantum Ergo, Salutaris, e ainda hinos e novenas de maragogipanos como Theodoro Borges da Silva e Heráclio Paraguassú, peças que hoje fazem parte da memória musical e cultural da música sacra da cidade, preservada pelo jovem maestro Elan Kilder Raton Malaquias.
As Filarmônicas nas ruas, as casas abertas recebendo familiares e convidados, visitantes devotos do santo e que também chegavam para conhecer a comemoração máxima do povo maragogipano. Na Associação Atlética e Rádio Clube ocorriam bailes durante as noites da festa, onde as famílias se reuniam muito bem trajadas para celebrar tão importante evento. Juntamente com os atos religiosos, a festa profana, representando a parte popular, acontecia no entorno da igreja; a lavagem realizada no domingo anterior, sempre fez parte das manifestações culturais que existem em Maragogipe.
O dia da lavagem sempre foi muito especial para os fiéis do candomblé e também para os católicos, que brincavam harmoniosamente a partir do meio-dia, quando saía da porta da Igreja, como ainda hoje o faz. Às 18 horas se encerrava, para que todos participassem à noite da novena.
Muitos anos se passaram, a população cresceu, a dinâmica da cidade se modificou, os costumes, os hábitos, e por fim os valores, acompanhando o processo de globalização. Sabemos que a cultura é dinâmica, e que grandes transformações ocorrem dentro da estrutura da tradição e da cultura.


Nos últimos anos tiveram início os shows, quando colocaram um grande palco na Praça da Matriz, bem ao lado da igreja, o que prejudica sua estrutura arquitetônica. A igreja oscila, a estrutura se movimenta, e eu já tive a oportunidade de sentir a movimentação e de ter medo que pudesse desabar. O IPHAN e o IPAC já se pronunciaram contra, mas nenhuma providência foi tomada. Este ano a Prefeita eleita recentemente, Senhora Vera Lúcia Maria dos Santos, quis transferir o palco para o cais, mas a população se manifestou contra, e ela, infelizmente, voltou atrás na decisão. Acho que ela teve uma visão muito lúcida com relação à organização da festa, com o que concordo plenamente.
Devemos pensar que com o crescimento da população, os tempos são outros. Então, é necessário rever a organização espacial da festa de São Bartolomeu. Parar, para reformular. É óbvia a necessidade da transferência do gigantesco palco para o cais, como no São João, assim como em quaisquer eventos, lembrando os prejuízos para a arquitetura da igreja. A população cresceu, a cidade recebe milhares de pessoas nesse período, e o entorno da Igreja tornou-se pequeno para que tudo seja realizado naquele espaço. No cais, sim, devem ser realizados os grandes shows, porque o povo vai onde o artista estiver.
A estrutura montada com barracas, tudo bem bonito e limpo para receber o público e os artistas. A partir das 22 ou 23 horas os shows teriam início no cais. No entorno da Igreja, nas Praças da Matriz e Conselheiro Antônio Rebouças, podem ocorrer manifestações artísticas outras, como a apresentação das Filarmônicas 2 de Julho e Terpsícore, e Filarmônicas de cidades circunvizinhas, como convidadas. Apresentação de Grupos de Chorinho, Grupos culturais de outras cidades como o Zambiapunga de Nilo Peçanha, o Lindro Amor de São Francisco do Conde, Samba de Roda, Cordelistas, Teatro de Rua, Mímicos, Violinistas em pontos estratégicos, a Orquestra de Fred Dantas, Quarteto de Cordas, Quinteto de Sopros, que podem se apresentar na Igreja, após a novena, ou na Igreja dedicada a Santo Antônio. O Coreto da Praça pode ser utilizado para apresentações musicais. Exposição na Casa da Cultura, apresentações artísticas em seu auditório. A realização de inúmeros eventos culturais, nas diversas linguagens artísticas, viria ampliar a festa por toda a cidade. Tudo isto durante os dias em que ocorrem as comemorações. A ideia é expandir a festa, agraciando inúmeros bairros. Estes exemplos de espaços e de atividades culturais são sugestões para serem apreciadas.



Acredito que poderia haver uma iniciativa para revitalizar os bailes na antiga Associação Atlética, hoje Fundação Vovó do Mangue. Poderiam ser vendidas as mesas, com 04 ou 06 lugares, e ingressos à parte, contanto que haja limite de público. Penso que seria sucesso, pois muitas pessoas gostam de dançar e não tem oportunidade, esta seria, assim, mais uma alternativa de diversão. Orquestras como a do Maestro Fred Dantas ou Zeca Freitas seriam opções musicais.
A feira de artesanato poderá ser realizada por meio de uma parceria com o Instituto Mauá. Sem querer ofender os artesãos, a feira deixa a desejar na questão qualidade e criatividade. Assim, poderia haver uma seleção, com artesanatos de várias regiões, como a renda de bilro de Ilha de Maré, artesanatos indígenas, africanos, bordados diversos, cerâmica, madeira, etc. Com a parceria do Instituto Mauá será possível realizar uma feira de qualidade.
É necessário encontrar um espaço para instalar o Parque. Lugar de parque, assim como o do circo, não é na via pública, como vem ocorrendo há pelo menos cinco ou seis anos, nas portas das casas dos cidadãos que pagam seus impostos e não podem dormir e nem mesmo abrir as janelas de casa, estando sujeitos a todo tipo de aborrecimentos, como suas portas transformarem-se em dormitório, e suas paredes mictório público. E isso se deve também ao excesso de ambulantes que invadem a cidade e se instalam aonde bem querem, na sua porta, de preferência. Pela manhã, nem os baldes de água que jogamos nos permite abrir as janelas devido ao odor. Acredito que deva haver um controle para os ambulantes e locais para que se instalem. Há que se fazer uma organização mínima para esses trabalhadores. Deve haver limite para o número de licenças e deliberações para os locais que serão ocupados pelos mesmos. Estes, atualmente, se instalam em nossas portas, armam um acampamento, ali fazem suas necessidades, estendem suas roupas para secar, sendo que muitos fazem consumo de drogas debaixo de nossos narizes, e nada podemos fazer com medo de represálias. Quando procuramos a polícia não é com ela, e quando acionamos a prefeitura, também não é com ninguém ou não podem nos receber.
Com relação à Lavagem no domingo anterior à festa, é necessária uma maior organização. Devido ao número de pessoas, somente as baianas e a orquestra deveriam sair do adro da Igreja. O público esperaria embaixo (cordão de segurança), quando começaria a acompanhar a mesma. Quando todos começam a dançar no adro, ocorre o mesmo fenômeno que acontece com os shows. A Igreja oscila. Assim, quanto menor o número de pessoas naquele local, melhor para assegurar que não haja prejuízo ao nosso patrimônio maior, a Igreja Matriz de São Bartolomeu. Penso que a lavagem em Maragogipe está perdendo o brilho e ficando muito impessoal. As pessoas que residem na cidade acompanham cada vez menos, devido à baderna em que tem se transformado. Somente os visitantes divertem-se, e alguns maragogipanos corajosos é que se arriscam nesta aventura que hoje é participar da tradicional lavagem em homenagem a São Bartolomeu. Este ano houve grande incidência de roubos de carteiras e celulares.


O palco, por sua vez, mudando para o cais, deixa a praça livre para que a novena da noite ocorra sem maiores transtornos. Este ano a igreja não encheu, pois houve show na praça até as 08h, o que deixou a mesma coberta de urina, lama e demais problemas. As pessoas não quiseram se arriscar na sua travessia.
Assim, ficamos trancados em casa. Que festa é esta? A quem serve esta festa? Penso que o nome passou de “festa” para “transtorno”. E tudo em nome de nosso querido padroeiro São Bartolomeu. Com relação à procissão, o tamanho do palco impede a circulação adequada de pessoas, o que dificulta o acompanhamento da mesma pelos fiéis. Por várias ruas fica impossível a passagem, como na Rua do Fogo, repleta de barracas, e agora abriga, até mesmo, o Parque de Diversão. O Areal, da mesma maneira, bloqueia o cortejo religioso no seu caminho para a Enseada.
Com relação ao cortejo processional, penso que deveria ser reduzido o percurso. Primeiro, devido ao peso das charolas de São Bartolomeu e Nossa Senhora da Conceição. Depois, porque acompanhar toda a procissão ficou difícil, devido à excessiva demora, por avançar por bairros mais distantes do centro. Assim, milhares de pessoas não conseguem acompanhar, e ficam “atalhando”, o que tem diminuído consideravelmente o número de seguidores, tirando a beleza da procissão. O que antes era uma multidão se transformou em um número reduzido de pessoas. O excesso de imagens no cortejo, antecipando as de Nossa Senhora e São Bartolomeu deve ser limitado. Este ano foram nove. Acredito que toda essa questão deva ser analisada pela Coordenação da Festa dentro da Igreja.


Diante de todos esses fatos, me parece que São Bartolomeu está sobrando nessa festa! De quem é a festa agora? Dos vândalos que invadem a cidade e quando saem deixam um rastro de destruição? Educação pertence a pobres e ricos, indistintamente. Precisamos repensar “o quê”, “para quê” e “como” divulgar a festa. Qual público queremos atrair. A elegância é sempre o melhor caminho. Louvamos este ano a criatividade das barracas homenageando os distritos e da réplica da igreja. Mas a desordem dos ambulantes somente enfeia e suja as ruas.
A Festa de São Bartolomeu é Patrimônio Cultural da cidade, fazendo parte da identidade e da memória cultural de seu povo. Assim, esperamos que em 2014 tenhamos uma bela festa em Maragogipe. Que São Bartolomeu seja louvado com todas as pompas que merece. Que sejam contratados violinistas, violoncelistas, flauta, oboé, para acompanhar o órgão e o Coral Maria Imaculada. Que ao menos, como ocorria e já ocorreu recentemente, nos últimos dias da novena e na missa de festa, os músicos convidados se juntem ao nosso talentoso Maestro Elan Kilder Raton Malaquias, para que assim os belos cânticos entoados possam nos elevar muito mais até Deus e ao nosso Padroeiro São Bartolomeu.

Rosa Maria Vieira de Melo
Museóloga
Setembro de 2013


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