“A Coleção Invisível”, de Bernard Attal
POR ANDRÉ SETARO
A coleção invisível, filme surpreendente de Bernard Attal, principalmente em se tratando de seu primeiro longa, parece a tradução em imagens em movimento da frase de Jorge Luiz Borges "só é nosso o que já perdemos". O que mais o fortalece, em termos de estrutura audiovisual, é a maturidade de sua narrativa, a capacidade de articular os elementos da linguagem cinematográfica sem a demonstração modista e contemporânea de estar fazendo um filme. O filme se desenvolve sem as firulas de linguagem habituais, principalmente no desvalido cinema baiano, surpreendendo pela maturidade na condução da narrativa. Filme-rio, que navega com tranquilidade, mas sempre apostando nas surpresas de seu percurso e nos declives de sua fábula. Obra que sinaliza para um processo de descoberta e amadurecimento, A Coleção Invisível é um ponto alto do cinema baiano contemporâneo. E seria bater na mesma tecla dizer que a interpretação de Walmor Chagas, em seu derradeiro filme, é genial.
A desolada paisagem da zona do cacau, antes próspera e que sofreu profunda decadência com o advento da vassoura da bruxa, praga mortal, serve de contraponto ao desbussolado personagem que encontra, durante a sua viagem exterior e interior, a descoberta de si mesmo. O plano final, que mostra Vladimir Brichta sorrindo, dentro do carro, evidencia a sua transformação e redenção. O encontro não marcado com a paisagem, portanto, e com as pessoas que a compõem, proporciona-lhe a descoberta e a constatação de uma segunda chance no seu processo existencial.
Baseado num conto de Stefan Zweig, A coleção invisível é um filme sobre a descoberta, não propriamente uma educação sentimental à Flaubert, mas uma viagem na qual o personagem, após sofrer uma via crucis para descobrir uma valiosa coleção, empreitada que o leva a procurar um colecionador em Itajuípe, interior da Bahia, que comprara em mãos de seu pai, já falecido, antiquário, valiosas obras de Cícero Dias, o personagem executa. O acidente automobilístico inicial, do qual se livra por sorte, que proporciona a morte de vários colegas, deixa-o abatido e desiludido. Técnico de som, vê-se, por isso, desamparado, até que, encontrando-se com a mãe (Conceição Senna) e um outro antiquário, interpretado por Dimitri Ganzelovich, que diz ser valiosa a coleção e valer uma fortuna, o desafortunado personagem de Vladimir Brichta decide ir a seu encontro, e, com isso, decifrar o enigma da invisibilidade. A investigação, no entanto, torna-se árdua e difícil, pois, embora chegando no lugar onde se encontra o colecionador (Walmor Chagas), este é protegido de visitação por sua mulher (Clarisse Abumjara) e sua filha (Ludmila Rosa). Quase desistindo do projeto, Beto, este o nome do personagem, volta a Salvador com a notícia da tentativa de suicídio de sua mãe, que assim procede no sentido de fazê-lo livre. Mas volta à cidadezinha e, insistindo com a filha do velho, e tendo, com ela, ligeiro affair, consegue adentrar a casa do colecionador. Daí para a frente a surpresa, a revelação da invisibilidade e, em consequência, a transformação na visão de mundo dele, e do seu modus operandi com seus semelhantes, a exemplo do garoto que o acompanha desde o início.
Filme sobre perdas, a dos colegas, a quase perda da mãe, obra que reflexiona sobre a mentira como arma de defesa, A coleção invisível, cujo roteiro fora premiado em edital, é filme baiano. (e brasileiro). O cinema baiano, aliás, sobrecarregado de fitas digitais de aficionados, mas, nas quais a arte do filme muitas vezes é esquecida, cheio de eventos cinematográficos absorvidos com os debates de apatia e de desconhecimento de causas, embora os convidados competentes que ficam a ver navios, precisa encontrar, o quanto anos, as suas raízes,, a sua razão de ser. A coleção invisível, sobre ser baiano, apesar de realizado por um diretor nascido na França, mas plenamente adaptado à baianidade, é uma obra, por assim dizer, que ressuscita o que já se esperava sem fôlego. A comparação, por exemplo, com o cinema oriundo de Pernanbuco, dá a visão certa da ausência de sua força. O pessoal de Recife tem outra visão da criação cinematográfica e mergulha nas suas raízes para fazer emergir, delas, as suas visões de mundo, as suas maneiras de representação do real ou do irreal (O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, Amarelo Manga, Febre de rato, entre outros de Cláudio Assis etc). Espera-se Depois da chuva, de Cláudio Marques e de Marília Hughes, para se sentir se há, ou não, um ressurgimento, porque, a falar a verdade, de novíssima onda o cinema baiano não tem nada.
Assim, é um uma surpresa o aparecimento de A coleção invisível como uma obra que pode ser inserida como cinema baiano. E nada mais baiano do que a sua paisagem, a região do cacau, dos frutos de ouro, tão exaltada nos romances de Jorge Amado, e que, depois da praga virulenta que foi acometida, sofre de um terrível infortúnio.A paisagem, portanto, tem uma função em A coleção invisível: a função, com já foi dito acima, de se inserir na textura dramática da obra. Os casebres, as cabanas, o mato que se espalha, escondendo o que antes era florescente e belo, são a interface das angústias do personavem vivido por Vladimir Brichta. Bernard Attal une o décor como elemento sintático na constituição de suas imagens, na disposição espacial da produção de sentidos de sua dramatugia.
O roteiro foi escrito a seis mãos: as do próprio Attal, as de Sérgio Machado (outro baiano e cineasta: Cidade Baixa, Quincas...), e as de Iziane Mascarenhas. A fotografia, e a luz é bela, é de Matheus Rocha. Elson Rosário, veterano, funciona como produtor de elenco.. No elenco, os já citados como Brichta, o grande Walmor, Conceição Senna, Dimitri Ganzelovich, Ludmila Rosa, Clarisse Abujamra, e mais Frank Menezes (como o motorista de táxi), Fernando Guerreiro (como o pai de Beto em rápída aparição evocativa), e, em participação especial, Paulo César Pereio, entre outros.
P.S: Algumas lacunas na dramaturgia me assaltaram durante a visão do filme, embora não o desmereçam. Brichta fala com Pereio, que lhe promete levar para conhecer o velho, mas depois nada se explica e o Beto vai mesmo sozinho; Saara tem um ex-abrupto e ameaça Beto dentro do carro, mas, logo depois, os dois se sentam entre os tocos do cacau queimados e ela lhe faz confidências. Da virulência se passa à ternura num abrir e fechar de olhos, isto é, de planos. Dramaturgia falha? Há planos desnecessários como a plongée de Beto tomando uma ducha. Bem, são observações a latere.
A coleção invisível, filme surpreendente de Bernard Attal, principalmente em se tratando de seu primeiro longa, parece a tradução em imagens em movimento da frase de Jorge Luiz Borges "só é nosso o que já perdemos". O que mais o fortalece, em termos de estrutura audiovisual, é a maturidade de sua narrativa, a capacidade de articular os elementos da linguagem cinematográfica sem a demonstração modista e contemporânea de estar fazendo um filme. O filme se desenvolve sem as firulas de linguagem habituais, principalmente no desvalido cinema baiano, surpreendendo pela maturidade na condução da narrativa. Filme-rio, que navega com tranquilidade, mas sempre apostando nas surpresas de seu percurso e nos declives de sua fábula. Obra que sinaliza para um processo de descoberta e amadurecimento, A Coleção Invisível é um ponto alto do cinema baiano contemporâneo. E seria bater na mesma tecla dizer que a interpretação de Walmor Chagas, em seu derradeiro filme, é genial.
A desolada paisagem da zona do cacau, antes próspera e que sofreu profunda decadência com o advento da vassoura da bruxa, praga mortal, serve de contraponto ao desbussolado personagem que encontra, durante a sua viagem exterior e interior, a descoberta de si mesmo. O plano final, que mostra Vladimir Brichta sorrindo, dentro do carro, evidencia a sua transformação e redenção. O encontro não marcado com a paisagem, portanto, e com as pessoas que a compõem, proporciona-lhe a descoberta e a constatação de uma segunda chance no seu processo existencial.
Baseado num conto de Stefan Zweig, A coleção invisível é um filme sobre a descoberta, não propriamente uma educação sentimental à Flaubert, mas uma viagem na qual o personagem, após sofrer uma via crucis para descobrir uma valiosa coleção, empreitada que o leva a procurar um colecionador em Itajuípe, interior da Bahia, que comprara em mãos de seu pai, já falecido, antiquário, valiosas obras de Cícero Dias, o personagem executa. O acidente automobilístico inicial, do qual se livra por sorte, que proporciona a morte de vários colegas, deixa-o abatido e desiludido. Técnico de som, vê-se, por isso, desamparado, até que, encontrando-se com a mãe (Conceição Senna) e um outro antiquário, interpretado por Dimitri Ganzelovich, que diz ser valiosa a coleção e valer uma fortuna, o desafortunado personagem de Vladimir Brichta decide ir a seu encontro, e, com isso, decifrar o enigma da invisibilidade. A investigação, no entanto, torna-se árdua e difícil, pois, embora chegando no lugar onde se encontra o colecionador (Walmor Chagas), este é protegido de visitação por sua mulher (Clarisse Abumjara) e sua filha (Ludmila Rosa). Quase desistindo do projeto, Beto, este o nome do personagem, volta a Salvador com a notícia da tentativa de suicídio de sua mãe, que assim procede no sentido de fazê-lo livre. Mas volta à cidadezinha e, insistindo com a filha do velho, e tendo, com ela, ligeiro affair, consegue adentrar a casa do colecionador. Daí para a frente a surpresa, a revelação da invisibilidade e, em consequência, a transformação na visão de mundo dele, e do seu modus operandi com seus semelhantes, a exemplo do garoto que o acompanha desde o início.
Filme sobre perdas, a dos colegas, a quase perda da mãe, obra que reflexiona sobre a mentira como arma de defesa, A coleção invisível, cujo roteiro fora premiado em edital, é filme baiano. (e brasileiro). O cinema baiano, aliás, sobrecarregado de fitas digitais de aficionados, mas, nas quais a arte do filme muitas vezes é esquecida, cheio de eventos cinematográficos absorvidos com os debates de apatia e de desconhecimento de causas, embora os convidados competentes que ficam a ver navios, precisa encontrar, o quanto anos, as suas raízes,, a sua razão de ser. A coleção invisível, sobre ser baiano, apesar de realizado por um diretor nascido na França, mas plenamente adaptado à baianidade, é uma obra, por assim dizer, que ressuscita o que já se esperava sem fôlego. A comparação, por exemplo, com o cinema oriundo de Pernanbuco, dá a visão certa da ausência de sua força. O pessoal de Recife tem outra visão da criação cinematográfica e mergulha nas suas raízes para fazer emergir, delas, as suas visões de mundo, as suas maneiras de representação do real ou do irreal (O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, Amarelo Manga, Febre de rato, entre outros de Cláudio Assis etc). Espera-se Depois da chuva, de Cláudio Marques e de Marília Hughes, para se sentir se há, ou não, um ressurgimento, porque, a falar a verdade, de novíssima onda o cinema baiano não tem nada.
Assim, é um uma surpresa o aparecimento de A coleção invisível como uma obra que pode ser inserida como cinema baiano. E nada mais baiano do que a sua paisagem, a região do cacau, dos frutos de ouro, tão exaltada nos romances de Jorge Amado, e que, depois da praga virulenta que foi acometida, sofre de um terrível infortúnio.A paisagem, portanto, tem uma função em A coleção invisível: a função, com já foi dito acima, de se inserir na textura dramática da obra. Os casebres, as cabanas, o mato que se espalha, escondendo o que antes era florescente e belo, são a interface das angústias do personavem vivido por Vladimir Brichta. Bernard Attal une o décor como elemento sintático na constituição de suas imagens, na disposição espacial da produção de sentidos de sua dramatugia.
O roteiro foi escrito a seis mãos: as do próprio Attal, as de Sérgio Machado (outro baiano e cineasta: Cidade Baixa, Quincas...), e as de Iziane Mascarenhas. A fotografia, e a luz é bela, é de Matheus Rocha. Elson Rosário, veterano, funciona como produtor de elenco.. No elenco, os já citados como Brichta, o grande Walmor, Conceição Senna, Dimitri Ganzelovich, Ludmila Rosa, Clarisse Abujamra, e mais Frank Menezes (como o motorista de táxi), Fernando Guerreiro (como o pai de Beto em rápída aparição evocativa), e, em participação especial, Paulo César Pereio, entre outros.
P.S: Algumas lacunas na dramaturgia me assaltaram durante a visão do filme, embora não o desmereçam. Brichta fala com Pereio, que lhe promete levar para conhecer o velho, mas depois nada se explica e o Beto vai mesmo sozinho; Saara tem um ex-abrupto e ameaça Beto dentro do carro, mas, logo depois, os dois se sentam entre os tocos do cacau queimados e ela lhe faz confidências. Da virulência se passa à ternura num abrir e fechar de olhos, isto é, de planos. Dramaturgia falha? Há planos desnecessários como a plongée de Beto tomando uma ducha. Bem, são observações a latere.
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