Paulo Ormindo de Azevedo
Informar corretamente deve ser a principal preocupação
de quem escreve em jornal, se não quiser se desmoralizar. Por isso volto a um
tema velho,de fin de siècle,
requentado neste fim de mandato estadual, a ponte de Itaparica. Em primeiro
lugar é preciso esclarecer que ela não trará nenhum beneficio ao Recôncavo e à RMS,
nem substituirá lanchas e ferries, a
exemplo da Guanabara. Ela saltará olimpicamentede Salvador para a Costa do
Dendê, marginalizando uma região com enorme potencial turístico, o Recôncavo.Tampouco
éverídica a informação que a Envolvente de Kirimurê irá destruir manguezais e
cidades históricascomo Cachoeira e São Felix. Ou bem ela passariaa 40 km do
litoral, ou pelos apicuns da baia.
A Envolvente não irá nem tanto ao mar, nem
tanto à terra, senão a cerca de três quilômetros do litoral, como a Estrada do
Coco e a Linha Verde, ligando o maior porto baiano, Aratu,e indústrias da RMS com
o interior, o norte e o sul, ao tempo que facilitará o acesso às praias e
cidades de São Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe
e Itaparica.Ela reduzirá também em 160 km, ou duas horas de viagem, o acesso à
Costa do Dendê e do Cacau. A ponte, sim, atropelará Vera Cruz, Itaparica e Salvador
com uma carreata e buzinaçodiário de 140 mil carretas, caçambas, ônibus e
carros em direção ao Litoral Norte, ao Copec, à Ford, a Sergipe e ao Nordeste,
vindos das BRs-101, 116 e BA-242.
Ilusório pensar que a Ilha poderá ser uma
opção habitacional para Salvador, quando o emprego está a mais de 70 km, em
Camaçari, Candeias e São Francisco do Conde,e dependente de uma ponte de
transito intermitente. Nem será tampouco um balneário para idosos do sul, sem praias
livres,equipamentos sociais e vida cultural.No último dia três,neste jornal, o
consultor-jurídico da Ademi, Bernardo Chezzi, sinalizou que o setor está mais
interessado na RMS que numterritório off-shore.
Itaparica será no máximo um porto seco e um pouso de caminheiros, comoSão
Gonçalo,vizinho a Niterói.
Não é também exata a informação de que em
2010, quando o Estado lançou o Procedimento de Manifestação de Interesse,
qualquer um poderia apresentaralternativas, porque o edital era para aconstrução
e exploração da ponte. Naquele momento a decisão de realizar um projeto de 25
anos de idade, oferecido por uma megaempreiteiralocal,já estava tomada e seu
acesso principal sendo construído, a Via Expressa.Impossível ignorar que uma
estrada semelhante fazia parte do plano-diretor do Centro Industrial de Aratu,
da década de 1960 e autoria do Arq. Sergio Bernardes, como a via natural de expansão
e articulação do CIA com a Refinaria Landulfo Alves e o Temadre.
Entendo que a Manifestação de Interesse seria
para que o vencedor realizasse os estudos de impactos, projeto executivo e
gestão, como parte da contrapartida de sua exploração.Mas o que se está vendo é
o Estado bancando tais estudos no valor de R$ 90 milhões e iniciando as obras,
estimadas em sete bilhões, sem nenhuma contrapartida. Pergunta-se:o que ganhouo
Estado com a PMI? Este procedimento garante a concessão da obra sem licitação?
Ou vamos ter mais uma PPP assimétrica como a da Arena Itaipava, agora
multiplicada por dez ou vinte,num estado que tem dificuldade de pagar o
reajuste dos professores e policiais?
Diante da ressaca do tsunami financeiromundial
e desinteresse do setor privado, sua realização é arriscada e improvável no
prazo anunciado. Obras de Santa Engrácia é o filé mignon das empreiteiras. Como
dizia um velho engenheiro fiscal: construção do governo só tem orçamento e
prazo para começar.Levi Vasconcelos em sua coluna Tempo Presente comentava em
24/04: “a Prefeitura de Salvador passou para governo uma dívida de R$130
milhões (do metrô) com as construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez (...).As
duas empresas vão receber o dinheiro, mas não bateram um prego por conta dele
(...).Simplesmente é o preço pelas sucessivas paralizações”(...).Imaginem a montanha
de dinheiro que vamos pagar às empreiteiras se a ponte durar 25 anos, no ritmo
do metrô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário