OLAVO BILAC E O EXÉRCITO
“‘Ora (direis) ouvir estrelas! Certo/Perdeste o senso!’E eu vos direi, no entanto,/Que, para ouvi-las, muita vez desperto.../E abro as janelas, pálido de espanto...”
“Última flor do Lácio, inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura”.
“Salve, lindo pendão da esperança,/ Salve símbolo augusto da Paz!”.
Esses versos, de diferentes poemas de Olavo Bilac, que aprendemos (e cantamos) na escola secundária, são hoje considerados, pela maioria dos leitores, como provenientes de um pitoresco poeta parnasiano, cuja poesia, superficial, beletrista, talvez piegas, teve seu conteúdo sacrificado à busca da forma perfeita, do rebuscamento, do preciosismo, da raridade vocabular.
O jornalista, cronista, poeta, inspetor de ensino, delegado diplomático, um dos fundadores de Academia Brasileira de Letras, Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, entretanto, foi um importante ator do debate público no início do século 20.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – da qual o Brasil participou enviando uma missão médica e oito navios que não chegaram a entrar em combate devido ao fim do conflito – despertou, nas elites nacionais, preocupações mais intensas com a vulnerabilidade militar do país e com o papel que o exército deveria desempenhar diante do inimigo externo e da sociedade. Um dos pontos centrais desse debate foi a adoção do serviço militar obrigatório, instituído por lei em 1908, mas até aquele momento não implementado, em grande parte por falta de verbas.
Um grupo de oficiais do exército, chamados de “jovens turcos” por analogia com os oficiais turcos que haviam implantado um estado laico na Turquia mulçumana, muitos dos quais tinham servido na Alemanha, e que fundaram, em 1913, aimportante revista A Defesa Nacional, ainda hoje editada, pretendiam modernizar o exército, tornando-o mais técnico e profissional.
Embora para os “jovens turcos” a defesa externa do país constituísse a missão precípua do exército, eles não descartavam a intervenção interna como motor do desenvolvimento da sociedade, atuando a força como fator de transformação político-social, ao educar e organizar os cidadãos de uma sociedade que consideravam atrasada. Defendiam o serviço militar obrigatório como instrumento de extensão do papel do exército, de incorporação dos cidadãos à instituição militar, facilitando, assim, a disciplina, a educação, a transformação do povo.
Em posição próxima à dos “jovens turcos”, Olavo Bilac interveio no debate que se travava nacionalmente acerca da obrigatoriedade do serviço militar, afirmando que um dos papéis mais importantes das forças armadas era a educação cívica dos cidadãos, e que isso seria obtido ao se atrair todas as classes sociais para os quartéis.
Bilac via o serviço militar obrigatório como a salvação do Brasil, algo que igualaria a nação, elevando os de classe mais baixa ao nível das classes mais altas; neste sentido, defendia a militarização de todos os civis. Acreditava que as forças armadas forneceriam a ordem e a disciplina necessária à ascensão do país ao padrão das “grandes nações civilizadas”. O oficial seria o “sacerdote do culto à pátria”, o regenerador, o disciplinador, e não teria ambições políticas. Seu papel seria apenas de preparar o país para ser governado pela classe média esclarecida.
O poeta percorreu o país levando sua mensagem a auditórios que lotavam para ouvir suas conferências. Afirmava não ser militarista, não pretender entregar o país a um governo militar, mas, sim, utilizar o exército como fator de integração, desenvolvimento e elevação do Brasil. Os oficiais deveriam instruir o povo, mantendo-se, porém, politicamente neutros, distantes das disputas pelo poder, a fim de preservarem a confiança, o crédito, o respeito de todos.
Olavo Bilac morreu em 1918; parte de suas idéias foram encampadas pelos militares, que o viam como grande aliado e amigo. O serviço militar obrigatório fora implementado em 1916.
O dia do aniversário de Bilac, 16 de dezembro, foi estabelecido, por decreto, em 1939, como Dia do Reservista; em 1966, o primeiro presidente do regime militar, Castello Branco, conferiu ao poeta o título de Patrono do Serviço Militar.
Seus poemas, a despeito do cerrado combate que lhes promoveu o Modernismo, ainda podem ser lidos com prazer, em particular pela rara combinação de uma inspiração genuinamente espontânea expressa através de um rigor técnico sem concessões, o que lhes conferem um frescor, um vigor, uma autenticidade, inesperados num poeta parnasiano.
Suas idéias acerca do papel social do exército ainda cabem: num país que continua carente de “civilização”, o exército, ao abrir estradas, ao oferecer assistência médico-odontológica, ao alfabetizar, ao socorrer a população em calamidades, ao combater o crime organizado, não se encontra distante do pensamento bilaquiano. Afinal, subsidiariamente, a missão do exército brasileiro é participar do desenvolvimento nacional e da defesa civil.
Marcos A. P. Ribeiro
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