Um título no jornal deste domingo de chuva vem despertar
antigos sentimentos. Que, por enquanto, prefiro não enunciar. “Projeto prevê a
recuperação de 150 ruas do centro histórico”.
Será que não ouvi
esta música antes? É como estes “jingles” que acompanham na TV a propaganda de
um sabão em pó ou um novo modelo de carro. Num primeiro tempo seduz, mas quanto
mais se ouve, mais irrita.
Se
a música é sempre a mesma, as letras podem variar. Só um pouco.
Hoje, por exemplo, ninguém menos que o secretário da Casa
Civil, Rui Costa, declara “O Centro precisa ser revitalizado para ser incorporado
ao uso diário da população.” Eis uma
opinião revolucionária!
Eu nunca tinha pensado nisso. E acrescenta que isso já começa a
acontecer, uma vez que instituições de ensino e grandes redes de hotéis
passaram a se instalar no local. Plural onírico para uma realidade singular.
“Agora, se trata de intensificar, diversificar essa ocupação, deixando de lado
o conceito pura e simplesmente de visitação.”
Palavras
de ouro. Um visionário!
Só que... Quais redes? O Pestana a esta altura está mais que
arrependido por ter entrado neste convento do Carmo. Um purgatório. Só mantém a
casa aberta por razões contratuais. Porque, na verdade, mais parece anexo das
catacumbas vizinhas. E as outras redes? O Fasano promete há anos a recuperação
do antigo edifício do jornal A Tarde, mas dá sinais de ter abandonado o
projeto.
O luxuoso hotel Fasano deveria ter sido inaugurado em 2011...
O Palace Hotel, na rua Chile fora vendido a uns portugueses
que, depois de décadas, o venderam a outros portugueses. Segue fechado, menos
quando o vigia entreabre a porta para respirar. Na Praça Cairu, o belo imóvel
coberto de azulejos ingleses ameaça ruir. Já perdeu duas sacadas de ferro fundido.
Nas traseiras, três ou quatro edifícios com características neo-góticas foram
impiedosamente destruídas para implantação de um Hilton que nunca existiu nem
existirá.
Era para ter sido o Hilton Bahia !
Mais uma vez os governantes se mostraram omissos e coniventes com tão
absurdo vandalismo.
Então Seu Rui, pare de falar abobrinhas, por favor. Em quase
sete anos vocês não foram capazes de repensar e mudar o acelerado processo de
decadência do Centro Histórico de Salvador. Só discursos, pesquisas e projetos.
Um monte de projetos, quase sempre saído do misterioso “Escritório de
Referências” com a assessoria da não menos misteriosa Fundação Mário Leal
Ferreira. Fundação essa que, suponho, tenha assinado a horrenda escadaria que
agride o Largo do Pelourinho defronte à casa de Jorge Amado e o Museu da
Cidade. Quanto ao passeio ampliado, já vi cadeirante obrigado a descer do tal,
haja visto ele ser permanentemente ocupado por banquinhos, trançadeiras,
vendedores de bugigangas, artesanato hippy, instrumentos musicais, quadros, cangas de Bali e outras lembranças da Bahia tão
típicas quanto.
Projetos não faltam para alimentar o noticiário tupiniquim.
Grandes concursos nacionais, viagens a Sevilha, Roma ou Dubai, propostas
arrojadas de palco móvel, república de estudantes espanhóis na sinistra rua do
Tesouro.
Estado atual do palco movel de Pasqualino Magnavita no largo do Pelourinho.
Mas para o desfilé de 2 de Julho, terá melhoramento no tapume
Isto é, sem falar de uma ridícula fantasia de arena na Praça Castro
Alves ao custo de R$25 milhões, isto numa terra que não tem nem escolas nem
hospitais decentes e onde milhares de famílias morrem de sede. Mas os
compadres, apesar da insatisfação geral, nada falavam porque o cara é, por
enquanto, de partido aliado ao PT. E em véspera de eleições, sabe como é,
né?
Pior: fecham escolas no centro histórico! É sempre bom manter uma
porcentagem de analfabetos. Pode ser útil amanhã.
Hoje, finalmente descobriram o ovo de Colombo: “A função
habitacional foi perdida”. Agora o Plano prevê estruturar um fundo imobiliário
para que imóveis vazios sejam reinseridos no mercado imobiliário para moradia.
Ótimo!Pago para ver.
Com tão bela iniciativa, posso sugerir algo que muito
mudaria a cabecinha desta classe média que muito fala, muito planeja, mas tem
medo de implicar-se no processo? Venham vocês também morar no Centro Histórico!
Afinal, se vocês estivessem num daqueles regimes que tanto prezam – China,
Venezuela, Cuba, ou melhor, Coréia do Norte, há muito tempo que já teriam sido
mandados morar no centro da cidade. Não fiquem preocupados. Não é tão ruim. Por
exemplo, no bairro – tão desprezado pelo Iphan – do Santo Antônio, moram,
felizes, arquitetos, jornalistas,
fotógrafos, cineastas, advogados, artistas, e mais gente do mundo da cultura. E
acreditem: nenhum trocaria seu casarão secular por um destes apartamentos
mesquinhos, de espaço milimetrado, do Itaigara ou do Horto ex-Florestal.
Mas, como não podia deixar de haver ressalvas, veja o que a
Dra. Beatriz Lima declara: “Nossa expectativa é começar a execução dessas obras
ainda esse ano. A previsão de conclusão é de 18 meses após o inicio, que vai
depender deste trâmite burocrático.”
Trocando em miúdos: Fora algumas obras de fachadas, com
muito guindaste, simples pinturas executadas nas coxas, é mais um projeto a
engavetar, como tantos outros.
Mas nóis paga!
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