Em janeiro do ano passado, a polícia invadiu de surpresa a área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos (SP) e expulsou 6 mil moradores que ocupavam o terreno desde 2004. Entre elas, cerca de mil crianças, retiradas do local às pressas e separadas à força de suas lembranças de infância. Nas fotos publicadas após a desocupação, viam-se misturados ao entulho bonecas, carrinhos, material escolar. Até hoje a situação dos desalojados, que recebem 500 reais por mês de auxílio-moradia do Estado, não se resolveu.
A mais de 500 quilômetros do Pinheirinho, em um apartamento de Curitiba, a pedagoga Andréa Cordeiro assistia desalentada às imagens compartilhadas pelos amigos no Facebook. Ela havia sido demitida da escola particular onde trabalhava e, para complementar a bolsa de pós-graduação que recebia da Universidade Federal do Paraná, vendia brinquedos de tecido, acessórios, panos de prato bordados e outros mimos feitos à mão. Seus pais, artesãos, se recusaram a ensinar à filha o ofício, porque queriam vê-la “doutora”, mas como quem sai aos seus não degenera, Andréa leva jeito.
Quando viu os brinquedos espalhados em meio aos escombros da desocupação, a pedagoga teve uma ideia. Inspirada pelo site Dolly Donations, criado, em 2010, pela norte-americana de origem inglesa Sarah Hanson para enviar bonecas de pano às crianças do Haiti, despachou um e-mail para seis amigas com a pergunta: “Que tal se a gente tentasse?” Em uma semana, as seis tinham virado 60 artesãs profissionais e amadoras que começaram a confeccionar bonecas de pano para as crianças do Pinheirinho. Em um mês fabricaram 120 bonecas. Andréa decidiu então avisar Sarah da iniciativa brasileira.
A norte-americana não só aprovou como resolveu contribuir e acionou sua rede de artesãs. Vieram para o Pinheirinho bonecas da Austrália, dos Estados Unidos, do Japão, da Argentina. Ao todo, nesta primeira ação, foram 300 bonecas distribuídas. Nascia ali, das cinzas do Pinheirinho, as Bonequeiras sem Fronteiras, hoje com 417 artesãs e artesãos (sim, há homens também) confeccionando bonecas, bonecos e outros brinquedos para doar a crianças e idosos carentes ou em situações de emergência.
Foi assim no incêndio da Favela do Moinho, em São Paulo, em setembro passado, e na enchente em Cubatão, em março deste ano. “É muito emocionante”, diz Andréa. “Em casos como esses, as crianças logo se habituam à palavra ‘donativo’. Ao chegarmos ao Pinheirinho, fomos cercadas por crianças perguntando: ‘Qual é o donativo?’ Quando dissemos que não era donativo, mas presente, aquelas carinhas foram mudando, os olhinhos brilhando.”
A cada entrega, as bonequeiras usam a criatividade para produzir brinquedos que agradem a todos. Para os meninos foram criados super-heróis baseados na realidade em que vivem. No Pinheirinho foi o Super-Pinheirinho. Na Ilha de Deus, comunidade carente de pescadores do Recife, tinha o Super-Mangue, além de bichinhos de pano em formato de caranguejo e ostra, entre outros.
Uma das regras é fazer sempre bonecas de cores variadas: negras, brancas, japonesas, índias. Na mais recente entrega, na aldeia Tekoa Pyau, no Alto do Jaraguá, na capital paulista, no fim de abril, foram vários bonecos com carinha de curumim, além de animais da floresta: cobras, tamanduás, bichos-preguiça. Para os pequenos da comunidade quilombola do Alto do Ribeira, as bonequeiras se esmeraram em confeccionar bonecas de pano negras, de cabelos cacheados. “Num primeiro momento as meninas estranharam, mas no final aconteceu algo muito bacana: escolheram bonecas que se pareciam fisicamente com elas.”
As bonequeiras não aceitam doações em dinheiro, para não desvirtuar o propósito de engajar cidadãos em uma ação social por iniciativa e recursos próprios. Recentemente, os coordenadores foram procurados por alguém interessado em doar dinheiro, mas, diante das reticências do grupo, acabou revertendo em materiais: agulhas, linhas, tecidos. Patrocinadores não são bem-vindos, pois os artesãos não gostariam de ver os brinquedos relacionados a alguma marca. O que receberiam de bom grado seria o apoio dos Correios, pelo fato de o envio das bonecas ser a parte mais cara da operação.
No mês que vem, as Bonequeiras sem Fronteiras vão pela primeira vez cruzar uma fronteira. Como Andréa cursa o doutorado em Montevidéu, haverá entrega de 90 bonecos e bonecas em uma instituição da capital uruguaia. Um advogado que colabora com o grupo está a postos para o caso de ficarem presas na alfândega, pois as bonecas viajarão sozinhas, levando alegria, mas sem passaporte.
Dimitri. Eis um belo exemplo a ser seguido por
ResponderExcluirpessoas de boa índole e coração cheio de bonda-
de. Ainda resta esperança entre os humanos,ape-
sar dos políticos e das guerras estupidas mundo
afora.
Climerio Andrade