segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Carta aberta à doutora Beatriz Lima

Prezada senhora.
Li com o maior interesse sua entrevista na revista Muito, suplemento dominical do jornal A Tarde. Antes de tudo, quero parabenizar a excelência das colocações do entrevistador, Vitor Pamplona. Como poderíamos esperar, encontrei alguns tópicos que, de tão repetidos, não passam hoje de redundâncias.
Me permita, apesar de não ser diplomado nesta área, fazer alguns reparos.
... Muito obrigado.

Logo de entrada leio sua declaração: “O momento de opinar passou, está na hora de a sociedade cobrar” Mas, minha senhora! É exatamente isso que nós, moradores e comerciantes do centro histórico, fazemos há mais de quinze anos, através de vários governos municipais, estaduais e federais, sem o mínimo resultado! De quantas reuniões participei, tentando, com tantos outros angustiados, contribuir sem que minha voz chegasse até o poder executivo? Nem quando os moradores entregam um abaixo-assinado pedindo melhorias concretas, o Digníssimo Senhor Secretário Estadual de Cultura se digna em responder.
Tenho assistido até a inútil palestra de doutor da Unesco, quando a assistência teve que ouvir calada, não podendo opinar e muito menos questionar. Só nunca ouvi quem desse uma proposta de conceito. Afinal qual o público alvo para âncora de um novo centro histórico?  Burgueses, intelectuais, boêmios, executivos, jovens, adolescentes, terceira idade? Se for todo mundo, é igual a ninguém. Tem que haver uma filosofia de ocupação. Tentei colocar algumas sugestões, simples e baratas, para melhorar o quotidiano deste bairro, sem o menor êxito. E a senhora talvez saiba que, de própria e espontânea vontade, sempre atuei em pro do centro histórico, muito antes de qualquer governo nem suspeitar da existência de tão rico patrimônio.

Este bizarro “Escritório de Referências”, de significado absolutamente hermético para o vulgum pecus, até hoje não disse a que veio, fora uma publicação luxuosa perfeitamente surrealista e inútil sobre um embaçado “Centro Antigo de Salvador”. A reabilitação do centro não avançou um centímetro sequer em quatro anos.  Muito pelo contrário. Durante estes anos, vi inúmeras fachadas derrubadas e reconstruídas em “modernoso” sem que ninguém mexesse uma palha. Estamos hoje concorrendo com os bairros do Uruguai e Liberdade em feiúra, que me perdoem os moradores destes maltratados bairros.
Se desejar, posso acompanhar a senhora e colaboradores por um tour no dito centro histórico que a senhora declara “uma ilha rodeada de problemas”. Não, Doutora. A senhora está errada: Há muito tempo que os problemas submergiram esta ilha, que, aliás, nunca foi de fantasia, a não ser, e erradamente, na imaginação dos governantes.
Quanto ao afirmar os problemas serem comuns a todos os centros pelo Brasil afora, não me parece argumento válido. Pagamos impostos bastante pesados para que sejam encontradas soluções, já! Os responsáveis viajam o suficiente em volta do mundo para saber que, além do horizonte tupiniquim, soluções foram encontradas. Soho em Londres, Le Marais em Paris, Trastevere em Roma, Harlem em Nova-Iorque, Casco Viejo no Panamá, em Barcelona, Buenos-Aires, Puebla, Quito, Istambul e tantos outros...
Só para dar um exemplo: o fotógrafo clicou a senhora naquele parque da rua do Passo (e não Paço), defronte da Casa das Sete Mortes. Este espaço é o perfeito exemplo da política desastrada do governo no CH. Uma concepção medíocre realizada de forma tão ruim que precisou ser refeita dois meses após a inauguração, já que bancos e mesas quebraram em quinze dias. Verdade ou mentira? Mas nós pagamos a conta, doutora!

Quando a senhora fala que o centro histórico vai do Forte do Barbalho ao Mosteiro de São Bento, de repente minhas certezas balançam. Sempre fui informado de que a área tombada pela Unesco, a pedido do governo, ia da Lapinha ao Largo 2 de julho. Mas posso estar errado, claro.
De qualquer forma seria bom averiguar.

Falando da iluminação prevista para a sétima etapa (São Francisco-Barroquinha?) a senhora cita o João Valente como responsável pela iluminação da belíssima ponte Estaiada de São Paulo. Só que os responsáveis são, neste caso – vide Google - Paulo Candura e Plínio Godoy. E nem assim significa que teremos a iluminação certa, já que não vamos colocar refletores verdes e roxos em fachadas e monumentos. Ou vamos?
Quanto às pinturas do casario, já escrevi e publiquei sobre o absurdo de se usar pinturas acrílicas em fachadas centenárias. Cadê o parecer do Iphan? E se ninguém notou a pintura dos casarões de propriedade do estado é porque o contrário seria notável, já que, neste caso, o governo só cumpre com sua obrigação. 
Em referência a segurança, é verdade: o Pelô navega numa eufórica atmosfera “Paz e amor”. A prova? As grandes agências de receptivo só guiam os rebanhos de turistas devidamente enquadrados por policias ou seguranças. Até parece que são os visitantes que vão presos!

Pressupor que os grandes empresários imobiliários irão se interessar por esta área é pura divagação, ao não ser para descaracterizar ou folclorizar.  Ruas estreitas e tortas, dificuldade de estacionamento, impossibilidade de abrir garagens privativas, aculturação da classe média, são empecilhos que precisam de outros remédios.
Já publiquei a necessidade de repúblicas de estudantes, de faculdades, de um centro de convenções (apesar das “alergias” do genial ex-secretário de turismo), de eventos culturais importantes e regulares, e não pontuais e barulhentos como agora. Mas na cabeça das senhoras que imperam neste departamento há uma grave confusão entre propostas culturais e entretenimento, o famigerado entertainment americano. As outras poucas tentativas, como a feira de antiguidades, a feira de artesanato etc. foram redondos fracassos, pois não havia o mínimo conhecimento do assunto.  

Para finalizar, a comparação entre o centro histórico e o Rio Vermelho não procede, pois naquelas bandas vive e trabalha a maior parte da freguesia dos botecos, restaurantes e bares, drenando amigos e familiares de outras partes da cidade.
Por enquanto, na rua Inácio Accioly, bem nas barbas do Juizado de Menores – que não serve para nada – dormem, em plena luz do dia, dúzias de adolescentes e adultos maltrapilhos, enquanto outros assediam turistas e comerciantes para comprar crack sob o olhar resignado dos três impotentes poderes. Achar que soluções serão encontradas até a Copa do Mundo é, nestas condições, mais uma fantasia.
A não ser que varram a sujeira para debaixo do tapete, como aconteceu na era ACM.
Atenciosamente
Dimitri Ganzelevitch

PS.- Tenho um bom acervo fotográfico documentando todas estas minhas colocações e mais algumas outras.


3 comentários:

  1. Dimitri,
    acrescento que mesmo Cartagena,na periculusa e corrupta Colombia é uma intervenção de êxito.O que acontece com o nosso Centro Histórico é uma tristeza,a cara do cinismo das classes políticas com as coisas de valor no nosso país.Falta de interesse,descaso e cinismo deixam a Conceição chegar ao ponto que chegou.Como diz Mino Carta grande jornalista,até o mundo mineral,sabe que a maioria quer que a "velharia"dessabe para especular nestas àreas privilegiadas.Vejam a Vitória.Todo um período de urbanismo e arquitetura apagados da memória,para a lambuza de poucos.Estou revoltada!

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  2. Sugestão: Dimitri, o senhor poderia colocar um resumo desses seus questionamentos no mural da página do plano de reabilitação do centro antigo, assim permite q outras pessoas debatam sobre os pontos levantados.
    http://www.centroantigo.ba.gov.br/mural/

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  3. Parabéns Dimitri! Você fez uma síntese de décadas de abandono, muito dinheiro gasto e resvalado para o bolso dos políticos e empresários da construção civil e nenhuma solução para um fenômeno que outros paises, inclusive da América Latina, resolveram exemplarmente. Enquanto isso a Bahia e Salvador perdem seus atrativos, pois aquilo que o substitui é de péssima qualidade estética, é um desastre, é feioso. Triste Bahia!
    Luiz Freire

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