segunda-feira, 18 de outubro de 2010

RETALHOS 23

Ronda cultural. Não me venha com essa de Salvador cidade provinciana onde nada acontece em matéria de cultura. Costumo afirmar que, querendo, pode-se ter um programa cultural de qualidade a cada dia. Depois do magnífico grupo mineiro Corpo - a propósito: onde anda nosso Balé do Teatro Castro Alves? Rodando pelo mundo e catando elogios como antigamente? – e do arrasador japonês Sankai Juku, o mesmo TCA nos presenteou com o Gotan Project. Se o princípio trilhou sem grande surpresa pelos caminhos de Gardel e Piazzola, de repente, após quinze minutos, o conjunto suíço-franco-argentino acordou a platéia com uma saudável mistura (que hoje chamam de fusion, porque é fashion) de tango, bossa nova, rock tecno, ruídos variados e iluminação ad hoc, sem esquecer as perturbadoras projeções. Sala lotada e delirante. Que bom! Ainda mais sabendo que a direção artística do TCA lutou durante três anos para conseguir o grupo. Na sala o Tout-Salvador da cultura e até meia-dúzia de finíssimas peruas.
Este video é para se curtir cada segundo.
Foto, montagem, música, iluminação... uma perfeição!

Menos sorte tive ao assistir a “O principito” no teatro do Senac-Pelourinho, interpretado por uma companhia do Capão (Chapada Diamantina). Da poesia minimalista do conto filosófico de Saint-Exupéry, nada sobrou. A idéia de uma intervenção circense era bem-vinda, mas os atores, aos gritos, mal maquiados e mal vestidos, conseguiram assassinar Le petit prince. Um desastre.
Em matéria de artes visuais, não dá para perder a premiação Marcantônio Vilaça no Solar do Unhão. Dos sete artistas expostos, cinco, para mim, foram revelação. Visite de preferência na tarde de sábado. Poderá curtir um belo por-do-sol com direito ao Jam no Mam. Bons momentos de jazz assegurados. Lá é só paz e amor.
Na escondida galeria do Consulado da Holanda - Largo do Carmo - o irreverente, lúdico, feliz, inovador pernambucano Antonino, com seus pinceis, fibra de vidro e cerâmica, inventa uma poética circense, perfeita ilustração do realismo fantástico tão presente na literatura latino-americana.
No campo da pesquisa histórica, o esperado livro “Mato Atlântico” de Maximiliano de Habsburgo, sob a competente responsabilidade de Moema Parente Augel, foi lançado no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, com a presença de todos os acadêmicos da terra. Escolhi entrar, comprar o livro, cumprimentar a velha amiga e sair pela porta dos fundos.
E para não dizer que não falei de fotos, quem for ao centro não pode perder, na galeria do Solar Ferrão, antigo Ipac, o conjunto de fotografias realizadas por adolescentes de escolas públicas. Sob a direção da competente Isabel Gouveia, o resultado é de cortar o fôlego. Eis um trabalho que deveria ser adquirido pela Secretaria Estadual de Turismo para rodar pelo mundo afora, em vez das eternas feiras com acarajé e fitas do Bonfim. Daria, além de preciosas informações visuais sobre o ciclo de festas populares, um testemunho de sensibilidade social e resgate das mais convincentes tradições culturais baianas.

Paulo Maluf deu sopa para o azar na tarde desta quinta-feira, depois de fazer uma "fezinha" na Mega-Sena. O deputado saía de uma lotérica, na Rua Gumercindo Saraiva, no Jardim Europa, quando foi “recebido” por uma agente da CET. O motivo? Ele parou o carro em local proibido e acabou levando uma multa de presente pra casa.” (BOL). Esperamos que o político, acusado de falcatruas mil, mas jurando idoneidade, não tenha levado o premio!

Analfabetos. Quarta-feira 22 de setembro, por volta das três horas da tarde. Saio para comprar frutas na quitanda. Duas crianças brincam de empinar arraia. “Tio, compra pão para minha mãe!” Pergunto por que não estão na escola a esta hora. “Eu me matriculei, mas só fui uma vez”. Tem doze anos. O outro, com dez anos, nem chegou a se matricular. Estão debaixo das janelas quebradas da ex-escola estadual Marquês de Abrantes, fechada no princípio do ano. Será que a Secretaria de Educação desativou a escola para permitir ás crianças do bairro se aperfeiçoar na difícil arte de empinar arraia?

Preconceito. Uma lei sobre a proibição de fazer declarações homofóbicas está tramitando no Legislativo. Mas a bancada evangélica está fazendo ostensiva oposição. Nós todos sabemos quanto esta gente é isenta de pecado carnal. Mesmo assim, melhor não mencionar o nome do adolescente Lucas Terra, estuprado e queimado vivo por três pastores da Igreja Universal do Reino de Deus. A tal sociedade anônima alcunhada de “Santo Lucro e Cia” não tem medido gastos para contratar advogados astutos que se empenham em abafar tão abominável caso de pedofilia.

Le roi est mort! Pelo falatório, o reinado de Márcio Primeiro Meireles estaria chegando ao fim. Tava na hora! Alguns cochicham os nomes de Pola Ribeiro e Javier Alfaya. Qualquer um dos dois pode comprar a briga e dar uma endireitada na agonizante Secretaria Estadual de Cultura, cujos misteriosos projetos interioranos continuam desconhecidos de todos.

Minha crônica “Yes, nós temos talibãs”,  no jornal A Tarde, mereceu as trovoadas de um leitor, provavelmente pastor evangélico, que adotou o princípio “a melhor defesa é o ataque”. Quem não leu, pode procurar neste mesmo blog.

Engraçado... Entre quatro paredes, todos, começando por “eles”, aceitam a prática do aborto, mas na hora da campanha, com medo de perder cem ou duzentos votos, a Dilma e o Serra mergulham na mais deslavada hipocrisia, ambos se protegendo com exagero de cruzinhas na boca e presença ostensiva em qualquer missa que tenha fotógrafos por perto. Espiritualidade? Claro que não: oportunismo e mais nada. Vou tomar purgativo...

O princípio do Mensalão. O embaixador Rubens Barbosa, na sua coluna do jornal baiano A Tarde, menciona a generosa ajuda financeira do governo brasileiro a países sul-americanos, asiáticos e africanos. Não que estes não mereçam a contribuição do primeiro mundo, do qual ainda não fazemos parte. Mas por que tanta generosidade? Resposta: o Brasil sonha com uma cadeirinha permanente no Conselho de Segurança da ONU e precisa de apoio. Na realidade, trata-se da aplicação pura e simples do princípio do Mensalão: Pagar para que votem a favor. Pelo que se fala nos corredores da ONU em NY, os diplomatas tupiniquins passam a vida falando mal do tal Conselho. Os jornalistas afirmam que é por despeito de não fazerem parte dos poderosos. Entretanto, alguns milhões de brasileiros, merecedores de sustentabilidade, continuam na miséria, sem escolas nem hospitais.

Por que razão as estatísticas de meu blog não registram acesso aos Retalhos 21 e 22 é um mistério. O internauta parece só se interessar pelos mais antigos, 18 e 19. Que pasa, hombre?!

Alguém explica? Cada um com suas limitações. Admito as minhas. Por exemplo: não entendo a política externa do governo Lula. Devolve a Cuba dois pugilistas que se declaravam refugiados políticos, mas fica silencioso enquanto um preso político morre de greve de fome durante visita a Fidel Castro. Faz-se de penetra no conflito Israel-Palestina, dando palpites sem restrições, apóia o desenvolvimento nuclear do Irã, demonstrando fascínio pelo governo nazista que oprime este fabuloso país, mas não faz a mínima declaração sobre o Prêmio Nobel atribuído a um dissidente da China, preso há onze anos. Você entendeu? Então me explique, por favor.

Enquanto o mundo inteiro faz xixi nas calças só de pensar em enfrentar a poderosa China, a minúscula Suécia, onde a democracia não é um faz-de-conta condescendente, tem a coragem de dar o Prêmio Nobel a um intelectual chinês, dissidente e totalmente desconhecido pelo mundo ocidental. Trovoada na terra de Mao-Tse-Tung. Lula nem mencionou a premiação. Será que usa fraldas descartáveis chinesas?

A respeito da suposta fazenda milionária do Lulinha, cuja foto foi fartamente divulgada, recebi, finalmente um esclarecimento: Trata-se de uma escola de agronomia, como deve provar a bandeira hasteada na fachada do belo prédio. Ainda bem! Só falta agora conhecer detalhes sobre a súbita fortuna do garoto.

PIM. Para finalizar com algo mais construtivo, nada melhor que falar do comovedor e seriíssimo trabalho social que o PIM (Projeto de Iniciação Musical), da Fazenda Coutos, está realizando. Quem foi ao Vila Velha e se deslumbrou com Os donos da terra, só aproveitou a cereja do bolo. Vale a pena enfrentar a longa distância ao triste subúrbio para verificar a importância do projeto social. A escola é das mais belas e bem organizadas que eu já vi em 35 anos de residência nesta terra. Vamos todos apoiar estas crianças maravilhosas para que, amanhã, não caiam na marginalidade.
Um grupo de crianças do PIM ensaiando a próxima montagem teatral

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