Azar vosso, aquele de sair durante um feriado prolongado das tormentas do Rio de Janeiro para mergulhar nas chuvaradas de Salvador, desmistificando as oliudianas imagens da Bahiatursa... Depois do suco de acerola em minha casa, aturando a barulheira festiva do quartel dos fuzileiros navais lá no Pilar, resolvemos investigar as divulgadas excelências de um velho restaurante, agora sob nova gerência.
Nos anos 70, havia três restaurantes franceses em Salvador: “Chez Suzanne”, “Chez Bouillon” e “Chez Bernard”, os três à beira-mar plantados ou, pelo menos, com vista privilegiada sobre as águas de Tomé de Souza. Com o passar dos anos, sobrou o “Chez Bernard” que foi mudando e mudando, com mais baixos que altos, até ser comprado por uma poderosa, poderosíssima multinacional. Sofreu total renovação, é hoje o must de toda a alta estrutura administrativa da dita empresa e objeto de desejo dos colunáveis. Que como vocês sabem, mutáveis, estão sempre atentos aos cliques da fama, mesmo efêmera.
A expressão chez indica, em terra gaulesa, uma culinária tradicional, burguesa e familiar, em ambiente sem grandes sofisticações, porque o essencial é o que está no prato. Você já sabe, antes mesmo de entrar no estabelecimento, o tipo de cardápio, de adega e de preço que lhe espera.
Não é o caso do restaurante do qual estamos agora falando. Decoração caprichada e banal com seus eternos tonsclean, branco e bege, e obrigatórias fotos e gravuras parisienses em P/B, ambiente que pode ser ótimo para a Casa Cor, mas não anima o apetite.
Sentamos a uma mesa de pé central. Pelos vistos, mesa de quatro patas não é chique. Vocês se lembram do desconforto? Apesar da pretensa classe, não há definição do papel do maître. Não existe diálogo com as costumeiras sugestões, tudo banha em gentil anonimato. O cardápio dos vinhos aparece antes da escolha da refeição e mais: chega por cima de minha careca, aparecendo de súbito, como num passe de mágica, embora haja espaço suficiente para apresentar o dito de forma mais corriqueira, como, por exemplo, a tradicional, do lado esquerdo.
Chegam os tira-gostos ou amuses-gueules que os franceses geralmente evitam. Nada a declarar, nada mesmo. Ao servir os filetes de badejo e truta salmonada, apreciamos o capricho do prato. O tempero é fino e original, mas os peixinhos passaram, e muito, do ponto. Hoje não se aceita mais um peixe que não tenha firmeza. Diria al dente. Alguns restaurantes europeus não hesitam em sugerir o rose à l´arête ou seja, ainda levemente rosado junto à espinha central.
Momentaneamente afastado, por ordem médica, dos prazeres de Baco, só me foi dada a doce ma consciência de molhar os lábios com um tinto, escolhido por você, Chico, servido um pouco abaixo da frescura ideal. Ainda somos, você e eu, da geração que aprecia o vinho tinto à temperatura ambiente, especialmente quando a sala é regiamente varrida pelo ar condicionado. No fim do almoço, nossa querida Christiane recusou a sobremesa, mas você e eu resolvemos dividir uma crême brûlée. Ela nos foi servida quente na parte de cima, mas fria no fundo. Que pena!
Como vocês falaram, e concordo em absoluto, o atual “Chez Bernard” é quase um grande restaurante.
Grande abraço...
Dimitri Ganzelevitch
Salvador, 11 de outubro de 2009
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