Durante algum tempo, até a Gazeta Mercantil encerrar sua publicação em Salvador, tive a incumbência de assinar uma coluna quinzenal de crítica de restaurantes. Foi uma bela, mas espinhosa experiência.
Numa terra onde 90% dos que possuem uma parcela de poder são primos ou compadres, criticar objetivamente um serviço comercial, especialmente quando dedicado à difícil tarefa de agradar o paladar, não é sinecura nenhuma, podem acreditar!
Quando convidado para esta coluna, coloquei umas condições básicas para enfrentar o desafio. O jornal teria que pagar, além de meu pró-labore, a conta da refeição para duas pessoas e eu não poderia nunca revelar minha identidade antes de pagar a conta. Questão de ética. Evidente? Nem tanto para quem conhece o submundo das mídias.
Resolvi começar pisando em ovos e na ponta dos pés. Para tanto, escolhi o “Chez Bernard”, restaurante que julgava acima de qualquer suspeita. Reservei, na véspera, a mesa em nome de fantasia e lá fui eu, acompanhado de uma amiga jornalista da Gazeta. Era uma terça-feira, por volta das 13 horas. Estranhamos haver só outra mesa ocupada por quatro pessoas, que, mais tarde, se revelaria sendo o dono da casa e família. A última vez, uns dois anos antes, que sentara numa mesa junto à bela vista sobre a baía, fora em companhia de Leonardo Matias, então embaixador de Portugal em Brasília, Jorge Calmon, Samuel Celestino e outras pessoas de destaque, grupo do qual fiz parte naquele dia pela única razão de ser muito antigo conhecido do diplomata lusitano.
Bem, para encurtar a narrativa, o almoço foi, do começo ao fim, um desastre. Até água suja com detergente encontramos nos escargots! Salvou-se, boiando na catástrofe, a gentileza do velho garçom e a aconchegante decoração.
Paguei, justamente aborrecido, e fui redigir minha primeira crítica gastronômica. Mesmo tentando aparar as arestas, meu texto foi corrosivo e sua publicação levantou protestos, não somente da direção do “Chez Bernard”, mas até do próprio chefe de redação do jornal. Este me telefonou, muito nervoso, com o curioso argumento: “Você não pode escrever este tipo de crítica”! Retruquei com certa indignação que crítica é crítica e que, se era para fazer simples propaganda, teríamos que rever os termos do acordo, já que, para mim, o respeito é antes de tudo para com o leitor, se o restaurante é ruim, nada vai me convencer a escrever o contrário etc.
A direção-mor sediada em São Paulo tinha, felizmente, outra filosofia de jornalismo. Mandou ordem de trégua e, a partir deste momento, pude redigir da forma que melhor me pareceu. Elogios para o Paraíso Tropical, para o Galpão, e entusiasmo para o Soho. Restrições para o Trapiche Adelaide. A respeito deste estabelecimento, um conhecido que trabalhava no Liceu de Artes e Ofícios, me alertou da fúria de uma senhora da diretoria ao ler a critica sobre o “Tudo branco” da avenida Contorno, prometendo mandar a Gazeta me demitir. Não fui demitido e, pelo que ouvi li na imprensa há poucas semanas, o restaurante está em vias de fechar. Mesmo assim, teve vida longa.
Salvador não tem, até hoje, nenhum verdadeiro crítico gastronômico. Teve, no máximo, cronistas que se aproveitaram da boca livre para se empanturrar, geralmente na companhia de amigos oportunistas. Esta carência tem o grave inconveniente de impedir qualquer possibilidade de parâmetros. Sem crítica, os restaurantes ficam à mercês dos modismos, sempre passageiros. Análise embasada e sem paternalismo é indispensável contribuição para melhorar o padrão de qualidade dos restaurantes na Bahia.
Dimitri Ganzelevitch
Salvador, 10 de outubro de 2009
Salvador, 10 de outubro de 2009
Essa história me lembrou o acontecido no Bahia Vitrine, que após um texto seu criticando o Iguatemi (ou era a Familia deles) acabou perdendo o patrocínio da coluna "Panorama visto da Ponte". Jacques de Beauvoir até hoje tem q se esconder do pessoal ligado ao Iguatemi, nos eventos chiqué. E tudo por causa dum projeto q nunca nem saiu do papel (aí perto do Solar Sto Antonio).
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