segunda-feira, 6 de setembro de 2010

MESQUITAS SÍRIAS

Alguns turistas, mesmo entre os que afirmam ser a cultura essencial a sua sobrevivência, declaram também não ter o mínimo interesse em catedrais, igrejas e conventos. Juvenil declaração de independência, como imposição paternal ou conhecimento descartável? Os mesmos, no entanto, irão detalhar minuciosamente qualquer pagode japonês ou templo grego, entrando até em meditação senão em transe. Pois eu, meus amigos, assumo minha caretice e mergulho sem reserva em tudo o que exemplifica a sublimação de antigas culturas. Adoro visitar velhas capelas e mosteiros silenciosos, guardando na memória muitos momentos excepcionais...
Como outros templos, mesquitas costumam condensar o melhor e o mais raro da civilização islâmica. Se em Marrocos e Argélia os rumis são barrados e no Egito apenas tolerados, as mesquitas da Turquia e da Síria abrem sem restrição suas portas e a todos revelam suas maravilhas. 

 

Você terá assim a oportunidade de andar descalço nos preciosos tapetes dos mais belos templos ou sentar-se à sombra das arcadas dos pátios sagrados, apreciando a beleza e a paz do lugar. Por horas seguidas se quiser. Ninguém virá incomodá-lo. Adultos conversam e crianças já foram vistas jogando bola!




Foi assim que entrei, pela porta lateral, a dos infiéis, na mesquita dos Umayades.
Como muito aconteceu ao longo da história, seus fundamentos se confundem com três mil anos de culto arameu – a língua de Jesus – romano e cristão. Nela você ainda estranhará encontrar o batistério e o mausoléu de São João Batista, também venerado pelos muçulmanos. Peço perdão por esta ostentação à la Reader´s Digest, mas estas noções são importantes para melhor entender o quanto esta parte do Mediterrâneo é essencial à formação da sociedade ocidental. O monumento é uma colcha de retalhos estilísticos, costurada entre os séculos VIII e XIV. Os mármores do imenso pátio provêm de um templo romano. O mosaico da entrada é bizantino. O curioso monumento sobre colunas corintianas, onde guardavam o ouro, é revestido de suntuoso mosaico também bizantino... E por ali vai.




Não é lugar para visitar com pressa. Deixe seu relógio no hotel e esqueça o cansaço.
Tive assim oportunidade de observar um grupo de iranianos, homens e mulheres, como sempre de preto vestidos, ouvindo, sentados no meio do pátio, os comentários de um sacerdote. Até eles vieram para reverenciar São João Batista! Mais tarde, após pisar com volúpia os profundos tapetes da sala de oração, me aproximei de um grupo que parecia aguardar algo especial. Após algum tempo de espera, uma porta abriu sobre uma dúzia de homens em atitude de recolhimento. Um deles, o muezim, começou a cantar, chamando o povo a rezar. Timbre de tenor, voz forte e perfeitamente afinado, os outros formando um coro digno dos mais famosos mosteiros. Não dava para deixar o local tal a beleza do momento. Suponho que seja famoso em todo o mundo árabe. Foi, aliás, uma oportunidade única de ouvir canto ou música síria ao vivo.



Damasco, capital da antiga dinastia dos Umayades, tem, com certeza, mais mesquitas que Salvador igrejas, apesar de não ter mais de dois milhões de habitantes.
Se muitas delas se escondem ao olhar desatento, é só levantar os olhos para constatar a freqüência dos elegantes minaretes. Mas a profissão de turista cansa. Vou sentar, sempre à sombra da mesquita, num café logo no princípio da rua Na-Nattha. Pequenas mesas oferecem, com um café turco, um pouso de descanso ao andarilho. Logo um vizinho entra em conversa comigo. É um iraquiano vindo a Damasco comprar móveis para sua loja. Como podem imaginar, observo o comerciante com curiosidade, realizando que, apesar de tantos atentados e bombardeios, a vida continua lá como no resto do mundo. Passa um engraxate com sua caixa resplandecente, muito parecida as que se podem ver nas ruas da Turquia. Estas caixas poderiam corresponder às obras de arte produzidas por nossos vendedores baianos de cafezinhos, pois também se trata de cultura popular urbana. Em Istambul são vendidas aos turistas no tradicional Bazar de Istambul.











A mesquita xiita e seu mausoléu. All hand made!
Passeando pelas ruelas, sou atraído por uma multidão que entra apressada em outra mesquita. Fico na porta a observar tanta agitação. Um homem que deveria impedir minha entrada, muito pelo contrário, quase me obriga a entrar. Tiro meus sapatos – confesso o alívio – e penetro num espaço no mínimo bastante perturbador. Deve ser uma construção recente, luxuosa, mas de um gosto que chamaria de “emiratado”. Se o chão recebeu fartura de carpetes wall to wall, as paredes, arcos, colunas e abóbodas brilham de milhões de pedacinhos de espelhos coloridos. O efeito me lembra certas casas muito acolhedoras cujas anfitriãs pouco procuram espiritualidade. Consulto meu diário, mas não encontro o nome da mesquita. Pesquisando no guia, chego à conclusão de que se trata de um famoso templo xiita, a mesquita Ruqaya. Mas não posso certificar veracidade desta informação. Melhor ir lá para conferir! As diversas salas estão cheias de peregrinos iranianos – de novo! – que vêm chorar junto a um mausoléu. E quando digo chorar, estou aquém da verdade, pois alguns homens, cabeça encostada contra a grade de proteção, soluçam com barulhento desespero e lamento.
Cada dia as experiências são renovadas, as surpresas me esperam a cada esquina. Para terminar com o capítulo “Mesquitas”, ao sair de meu hotel, na parte moderna da cidade, do lado inverso da Old City, bati de frente com uma obra-prima da arquitetura religiosa.

As proporções, a elegância das duas torres, a sucessão de cúpulas só podiam ter a assinatura do genial Mimar Sinan, armênio cristão convertido ao Islã e autor de alguns dos mais maravilhosos edifícios do apogeu otomano, no século XVI. Infelizmente a mesquita só abre para as orações. Terei que me contentar em dar a volta ao quarteirão...
                                                    (Desta vez focalizei as mesquitas. Da próxima vez falaremos da culinária).



  1. Salvador, 3 de setembro de 2010

Um comentário:

  1. Dimitri

    A descrição da sua viagem à Siria nos faz viajar junto com você.
    Parabéns! Adorei

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