Primeiro domingo de setembro. Luz transparente de uma primavera que já se anuncia. Para saborear o silencio na cidade baixa, tomarei meu chá matinal na mesa grande, aquela com tampo de mármore, lá na varanda. A oferenda diária aos deuses do céu fora depositada e a passarada está em festa. Ontem dois periquitos vieram beliscar a banana com exagero de comentários resmungões. Não sei se hoje também virão. Nada ousa riscar o mar da baia, liso como seda. Existem momentos assim na vida, simples, minimalistas até, quando nada acontece e que, talvez por isso mesmo, são revestidos de uma aura especial. Teriam parado os relógios?
De repente, algo como um clarão musical invade meu espaço sem pedir licença. De onde virá tanta despropositada alegria? Aproximo-me do gradil e procuro a festa, lá em baixo, pelos lados do quartel dos fuzileiros navais. Um cortejo é anunciado por uma longa faixa vermelha com letras douradas, carregada por dois jovens. Como adivinhei que são jovens? Sei lá... Pela forma leve de andar, pela vestimenta loucamente colorida, sem qualquer uniformização. Brilham os verdes, os turquesas, os brancos, os vermelhos. Relampeja o ouro dos instrumentos de sopro. O gramado nunca esteve tão verde, nem a água da piscina tão azul. Mangueiras e coqueiros foram cuidadosamente lavados com as recentes chuvas. E, mais belo neste momento que o Messias de Haendel, explode o verdadeiro hino desta terra: “Aquarela do Brasil”. Não dá para distinguir os rostos adolescentes, mas quem não seria feliz ao tocar tão deslumbrante música? Como é bom saber que ainda tem gente que se preocupa em transmitir tão precioso patrimônio, opondo-se a vulgaridade das gravadoras cuja proposta é impor lixo prontamente descarto. Hoje não se fala mais em música. O fashion é falar de som. E quando escrevo som, meus dedos escorregam para o termo decibéis que é o mais importante. De Lamartine Babo a Morais Moreira, só restam vagas memórias, como os obsoletos boleros de salão. Vivi, hoje, algo de muito raro e belo entre meus bem-te-vis e Ari Barroso...
Salvador, 18 de setembro 2010
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