Abraços a todos.
Florisvaldo
CARTA ELEGÍACA A GERÂNIA MIRAGAIA
por João Carlos Teixeira Gomes
I
Amo-te porque detesto a exatidão.
Porque tens o apelo das coisas imprevisíveis.
Como o pôr-do-sol,
que, sendo o mesmo, surpreende todos os dias;
ou a colocação das estrelas
no céu, sujeitas a giros mínimos,
todavia perceptíveis;
a oscilação das marés,
a renovação da natureza.
Nada é tão completo
que não deva mudar a cada momento.
II
E, na verdade, muda.
Contempla com atenção a paisagem
do teu rosto
para que enfim não te assustem
as tramas do tempo falaz
que te espreita (ávido) da engrenagem das horas.
Jamais a superfície dos espelhos
permitirá segredos a teus olhos atentos.
É ilusão suborná-los.
Neles, a cada manhã,
o exato registro das armadilhas do tempo,
ante cujos enredos
somente os ventos permanecem inalterados
– porque sopram da Eternidade.
E embora seja algo de leve e de alado
(porque assim é a beleza moça)
obviamente não tens a essência
ou as disponibilidades dos ventos.
III
Ah, os ventos. Quem os decifra?
Suas rotas são circulares
e por isso imutáveis.
Estes que agora te envolvem as formas efêmeras
são os mesmos que desfolharam as árvores do Paraíso no primeiro outono,
varreram o refúgio dos deuses antigos
e os desertos dos profetas,
invadiram as ágoras silenciosas
e se multiplicaram no corredor dos séculos,
ungidos de poder e desdém.
Mais uma vez chegaram para testemunhar
a fragilidade da perecível argila.
Vieram e estão indo,
pois o seu trânsito é ilimitado: tocarão
as gerações sucessivas
até o final dos tempos,
quando de novo soprarão sobre a terra deserdada,
vasto campo de ossos empilhados
após as flagelações do Juízo.
Ama os ventos porque são livres,
mas inveja-os porque são perenes
e continuarão a rodar em desatino,
enquanto a cada instante
murcharão as pétalas da tua beleza,
grande flor temporal que um dia a morte virá colher
para enfeitar a fronte descarnada,
ela que incessante cultiva
nos umbrais da vida sem retorno
os seus buquês de pungência e corrosivo mistério.
Nenhum comentário:
Postar um comentário