Gerente de “pequenos serviços” desviou R$ 57 milhões da Petrobras, revela investigação da estatal
Geovane de Morais autorizou milhares de pagamentos irregulares no ano eleitoral de 2008. Ele era vinculado à diretoria de Paulo Roberto Costa
HUDSON CORREA E RAPHAEL GOMIDE
Um relatório confidencial e documentos da Petrobras revelam que o descontrole de gastos na estatal permitiu a um gerente de comunicação, com poderes para autorizar pagamentos de até R$ 32 mil, desviar ao menos R$ 57,4 milhões em 2008, ano eleitoral. A documentação, obtida com exclusividade por ÉPOCA, mostra fortes indícios de um esquema de desvio de dinheiro na Gerência de Comunicação do Abastecimento Corporativo, subordinada ao ex-diretor de AbastecimentoPaulo Roberto Costa. Costa exerceu o cargo entre 2004 e 2012 e está preso, acusado de receber propina de empreiteiras em troca de facilitar contratos bilionários. No caso do gerente Geovane de Morais, o desvio ocorreu por meio de contratações de “pequenos serviços”, na definição interna da Petrobras, que totalizaram R$ 150 milhões em um ano.
Após investigações internas que apontaram sua responsabilidade por desvios, Geovane, hoje com 47 anos, foi afastado do cargo no começo de 2009 e obteve uma licença médica para se tratar de uma “doença psiquiátrica”. O ex-gerente ficou quatro anos e meio longe da estatal, mas recebendo salário de R$ 16,4 mil. Em agosto de 2013, 13 dias após voltar ao trabalho, foi demitido por justa causa. Geovane recorreu à Justiça do Trabalho para anular a demissão, alegando que a Petrobras nada havia apurado contra ele. Na ação judicial, o ex-gerente afirmou também que apenas cumpria ordens “de escalões superiores” da Petrobras, interessados em turbinar campanhas políticas. Na contestação apresentada à Justiça, a Petrobras afirma que foram feitas duas sindicâncias internas e que o ex-gerente foi dispensado por ato de improbidade.
Geovane dispunha de um orçamento de até R$ 30 milhões em 2008. Gastou R$ 150 milhões. A gerência de Comunicação de Abastecimento custeava eventos esportivos, festas, shows e até bailes de carnaval para divulgar a marca Petrobras. O então gerente realizou impressionantes 3.487 contratações, média de quase dez por dia, incluindo-se finais de semana e feriados. Tamanha movimentação de dinheiro levantou suspeitas na estatal, acostumada a números altos. Foi criada uma comissão interna para fazer uma devassa nas contas do gerente. O resultado foi um relatório confidencial com graves suspeitas de desvio de dinheiro. Até aqui o documento era mantido sob sigilo. Publicamente, a Petrobras só admitia “quebra de confiança e de desrespeito aos procedimentos da companhia”.
Segundo o relatório, pelo menos R$ 57,4 milhões foram gastos por Geovane sem nenhuma evidência de que os serviços tenham, de fato, sido prestados pelas empresas contratadas. A comissão interna concluiu que houve “graves irregularidades administrativas, bem como a existência de diversas contratações sem entrega das respectivas contrapartidas”. Para chegar ao volume desses pagamentos suspeitos, a comissão adotou critérios “bastante conservadores”, o que indica que o rombo pode ser muito maior. Os integrantes da comissão classificaram os eventos como “identificados” ou “não identificados”.
No primeiro caso, apesar de não ser possível comprovar categoricamente a prestação do serviço, existia a probabilidade de ele ter sido realizado em “um evento ou festa”, como o carnaval. Por exemplo, não havia provas de gastos com transportes de sambistas, mas o desfile de carnaval ocorreu e, então, aceitava-se a despesa. No caso dos eventos “não-identificados”, não foi apresentada “absolutamente nenhuma evidência” de que teriam acontecido.
Na Justiça do Trabalho, a Petrobras configurou a situação como típico desvio. “Apesar dos critérios marcadamente tolerantes usados, 38% dos valores pagos não tiveram qualquer evidência de realização dos respectivos serviços, totalizando um montante incrível de R$ 57,4 milhões, sem qualquer comprovação de que foram efetivamente revertidos em serviços para a Petrobras”, afirmam os advogados da petroleira.
Ainda conforme a comissão interna, a fraude ocorria pela manipulação do sistema interno de autorização de pagamentos de “pequenos serviços”, que aceita despesas máximas de R$ 160 mil – muito distantes das bilionárias concorrências do diretor da área, Paulo Roberto Costa. Como gerente, o limite de aprovação de Geovane era ainda menor, de R$ 32 mil. Numa demonstração de falha no controle de gastos da Petrobras, em 2008 Geovane liberou sozinho R$ 119 milhões, em 1290 pagamentos acima de R$ 32 mil. Entre as autorizações havia 395 desembolsos de valores próximos ao limite de R$ 160 mil – o que indicaria tentativa de evitar que, ultrapassado o limite, fosse necessário se recorrer a outra forma de contratação. O relatório admite “descontrole orçamentário”.
Muitos pagamentos eram feitos de forma sequencial, com notas fiscais emitidas no mesmo dia, evidenciando o fracionamento do serviço para poder enquadrá-lo na modalidade de contratação que Geovane tinha poderes para autorizar. As notas fiscais com numerações sequenciais somam gastos de R$ 43 milhões.
Chama a atenção no relatório da Petrobras o enorme crescimento dos gastos aprovados por Geovane a medida em que se aproximavam as eleições de 2008. Nos oito primeiros meses do ano, seus gastos foram de R$ 11 milhões – já bastante elevados para sua posição e orçamento. Curiosamente, em setembro e outubro, meses eleitorais, suas despesas atingiram o pico. Em setembro, saltaram para R$ 24,2 milhões (aumento de 122%), e em outubro foram de R$ 20,4 milhões (alta de 85%). Em sua defesa, Geovane diz que fez eventos que serviam de “palanques políticos” para candidatos. Funcionário de carreira da Petrobras, Geovane é filiado ao PMDB, segundo documento da Justiça Eleitoral.
Para os advogados da Petrobras, todas essas irregularidades configuram “atos de improbidade”. Eles avaliam que rombo pode chegar à totalidade do que foi gasto por Geovane. “Deve-se considerar que a Petrobras foi lesada em mais de R$ 150 milhões em virtude das condutas ilegais. Foram atos repetitivos, sistemáticos e predeterminados para o descumprimento das normas empresariais, ocorrendo mais de 1290 vezes. Isso demonstra de forma irrefutável o dolo de burlar o sistema de controle da companhia e causar graves prejuízos a uma empresa do porte da Petrobras”, escrevem os advogados da empresa ao defender na Justiça do Trabalho a demissão do ex-gerente.
Para os advogados da Petrobras, todas essas irregularidades configuram “atos de improbidade”. Eles avaliam que rombo pode chegar à totalidade do que foi gasto por Geovane. “Deve-se considerar que a Petrobras foi lesada em mais de R$ 150 milhões em virtude das condutas ilegais. Foram atos repetitivos, sistemáticos e predeterminados para o descumprimento das normas empresariais, ocorrendo mais de 1290 vezes. Isso demonstra de forma irrefutável o dolo de burlar o sistema de controle da companhia e causar graves prejuízos a uma empresa do porte da Petrobras”, escrevem os advogados da empresa ao defender na Justiça do Trabalho a demissão do ex-gerente.
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