O debate sobre a saúde tem pautado diversas manifestações no
horário político, mas a pobreza de propostas e a abordagem demagógica tem dado o
tom.
Dentre as tantas manifestações destaco duas que me
decepcionaram, pois as fontes têm condições de melhor contribuição. Uma limitou-se a denegrir
a gestão anterior sem
avaliar os seus erros e acertos. Como quem tem telhado de
vidro não deve jogar pedra no do vizinho, a réplica não tardou através de um estéril
contraditório.
A outra manifestação tentou resumir os problemas de saúde na
falta de médicos. É insustentável esta infeliz retórica, pois se o problema da
saúde no Brasil fosse o quantitativo de médicos, teríamos melhor saúde nos grandes
centros urbanos.
Ao longo de mais de 30 anos de exercício da medicina, não me
lembro da saúde na Bahia sem sérias dificuldades. Os problemas são longevos,
renitentes e muito parecidos com os de outros estados, portanto a visão estadista na
saúde exige postura mais diferenciada dos candidatos.
O eleitor quer saber como o seu problema será resolvido. Eu
trabalho no Hospital Universitário Prof. Edgard Santos-UFBA. É o maior centro de
referencia em todas as especialidades da Bahia. Ao longo de décadas vivemos a
crônica penúria que descortina a delicada situação, não só da saúde pública, como também do
ensino médico do país.
Basta uma simples visita ao sexagenário hospital, nos
ambulatórios, lá, na ladeira da Rua Padre Feijó, para testemunhar o sofrimento dos pacientes
se arrastando amparados pelos muros. Esforçam-se para alcançar um prédio de
consultórios que foi construído no meio de uma ladeira. Para internação, passam por um
ritual de perversidade, pois
precisam subir a ladeira, mesmo debilitados. Não há uma
comunicação interna entre os prédios. Seria um investimento simples, nada comparável às
grandes promessas
eleitoreiras, mas que aliviaria este sofrimento impiedoso.
Não vejo manifestações acerca deste ultraje ao ser humano.
O Hospital da escola médica primaz do Brasil não possui
pronto atendimento. Os seus pacientes perambulam por superlotadas Emergências da cidade
quando precisam
avaliação de urgência. Um absurdo que persiste sem causar
perplexidade em muitos.
Não se ensina medicina em local que desrespeita o ser
humano.
O laboratório central do estado, LACEN, foi construído numa
rua, também com acesso por ladeiras. A rua conta com uma única linha de ônibus
cujos horários de circulação são bem espaçados. Não pensaram nos funcionários, tampouco
nos pacientes quando conceberam o projeto. Esses descalabros persistem, apesar de
muitos políticos garimparem votos nestas instituições.
A situação da saúde no país tem amplo espectro de
complexidade e é multifatorial. Usar o sofrimento do povo como palanque eleitoral não é o que
esperamos dos nossos representantes. Mesmo que prometam nomear o Harry Potter
para secretario da saúde, sabemos que até a sua poderosa varinha de condão seria
incapaz de resolver a situação.
Esperamos que nos digam de onde virão os recursos para
combater o subfinaciamento do SUS e como farão choques de gestão. A abordagem simplista
é repugnante, pois o
eleitor bem sabe que uma árvore não pode esconder toda a
floresta.
Raymundo Paraná
Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFBA
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