sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A ÁRVORE E A FLORESTA


O debate sobre a saúde tem pautado diversas manifestações no horário político, mas a pobreza de propostas e a abordagem demagógica tem dado o tom.
Dentre as tantas manifestações destaco duas que me decepcionaram, pois as fontes têm condições de melhor contribuição. Uma limitou-se a denegrir a gestão anterior sem
avaliar os seus erros e acertos. Como quem tem telhado de vidro não deve jogar pedra no do vizinho, a réplica não tardou através de um estéril contraditório.
A outra manifestação tentou resumir os problemas de saúde na falta de médicos. É insustentável esta infeliz retórica, pois se o problema da saúde no Brasil fosse o quantitativo de médicos, teríamos melhor saúde nos grandes centros urbanos.
Ao longo de mais de 30 anos de exercício da medicina, não me lembro da saúde na Bahia sem sérias dificuldades. Os problemas são longevos, renitentes e muito parecidos com os de outros estados, portanto a visão estadista na saúde exige postura mais diferenciada dos candidatos.
O eleitor quer saber como o seu problema será resolvido. Eu trabalho no Hospital Universitário Prof. Edgard Santos-UFBA. É o maior centro de referencia em todas as especialidades da Bahia. Ao longo de décadas vivemos a crônica penúria que descortina a delicada situação, não só da saúde pública, como também do ensino médico do país.
Basta uma simples visita ao sexagenário hospital, nos ambulatórios, lá, na ladeira da Rua Padre Feijó, para testemunhar o sofrimento dos pacientes se arrastando amparados pelos muros. Esforçam-se para alcançar um prédio de consultórios que foi construído no meio de uma ladeira. Para internação, passam por um ritual de perversidade, pois
precisam subir a ladeira, mesmo debilitados. Não há uma comunicação interna entre os prédios. Seria um investimento simples, nada comparável às grandes promessas
eleitoreiras, mas que aliviaria este sofrimento impiedoso. Não vejo manifestações acerca deste ultraje ao ser humano.
O Hospital da escola médica primaz do Brasil não possui pronto atendimento. Os seus pacientes perambulam por superlotadas Emergências da cidade quando precisam
avaliação de urgência. Um absurdo que persiste sem causar perplexidade em muitos.
Não se ensina medicina em local que desrespeita o ser humano.
O laboratório central do estado, LACEN, foi construído numa rua, também com acesso por ladeiras. A rua conta com uma única linha de ônibus cujos horários de circulação são bem espaçados. Não pensaram nos funcionários, tampouco nos pacientes quando conceberam o projeto. Esses descalabros persistem, apesar de muitos políticos garimparem votos nestas instituições.
A situação da saúde no país tem amplo espectro de complexidade e é multifatorial. Usar o sofrimento do povo como palanque eleitoral não é o que esperamos dos nossos representantes. Mesmo que prometam nomear o Harry Potter para secretario da saúde, sabemos que até a sua poderosa varinha de condão seria incapaz de resolver a situação.
Esperamos que nos digam de onde virão os recursos para combater o subfinaciamento do SUS e como farão choques de gestão. A abordagem simplista é repugnante, pois o
eleitor bem sabe que uma árvore não pode esconder toda a floresta.
Raymundo Paraná

Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFBA

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails