Cheguei à
Bahia em 1971 nas bagagens do imortal escritor Orígenes Lessa – lembram de O
feijão e o Sonho? – e sua Maria-Eduarda, filha do muy algarvio conde Marim.
Dois dias
depois de nossa chegada fui testemunha de uma cerimônia singela e comovedora.
Num velho imóvel perto do largo Dois de Julho, o acadêmico era condecorado pelo
Rodolfo Cavalcanti, “poeta popular nordestino e escritor de cordel”, dixit o
Google, pelo seu empenho em defender tão antiga tradição literária vinda em
forma de oralidade de Portugal e da França no século XVI.
Quem tem a
mínima familiaridade com esta expressão reconhece nos modestos folhetos, além
de interpretações irônicas da vida cotidiana, desde trechos da Canção de
Rolando até lendas greco-romanas, como o mito de Pandora.
Nos anos 70,
montei uma exposição de gravuras de cordel na Aliança Francesa, coincidindo com
a passagem do professor Raymond Cantel, da Sorbonne, na época considerado até
no Brasil como maior especialista de literatura de cordel.
Em 1987,
quando organizei um festival na escadaria da Igreja do Passo – centro histórico
de Salvador – não me esqueci de pedir ao Bule-Bule a honra de sua participação.
Durante os
dezesseis anos (de 1980 a 1996) que tive uma galeria no Mercado Modelo, quantas
vezes não parei para ouvir os repentistas, e com freqüência comprar suas
publicações?
O cordel
desembarcou com os primeiros navegadores, tem a idade do Brasil e merece todo
nosso respeito.
Assim que
podem adivinhar meu espanto quando fui, hoje de manhã, na Praça Cayru para
fazer um trabalho de documentação fotográfica para um documentário sobre o
Comércio e constatei o sumiço da banca de cordelistas. Corri para o Mercado
Modelo falar com um dos ex-presidentes da associação dos comerciantes, o Nelson
Tupiniquim. Ele confirmou a inacreditável notícia: os cordelistas tinham sido
despejados e o pequeno quiosque destruído.
Quem se
atreveu a esta grotesca agressão cultural? Sem dúvida uns tecnocratas mesquinhos
e ignorantes, preocupados em agradar o chefão, seja ele quem for.
Enquanto o
Museu do Homem do Nordeste, em Recife, celebra a importância desta expressão de
cultura popular, aqui, na Bahia, os poetas do povo são confundidos como vulgares
vendedores de CDs piratas.
Acabo, neste
mesmo instante de conversar por telefone, com o Paraíba da Viola (Antônio Tenório
Cassiano), presidente da Ordem dos Poetas de Cordel do Brasil. Ele me informou
que hoje pela manhã, tentou vender seu trabalho na rotunda do fundo do Mercado,
mas vieram fiscais da Saltur e foi obrigado a se retirar.
Quanta humilhação!
Que vergonha
para a primeira capital do Brasil!
O que está
acontecendo? Uma higienização da cidade?
Peço a todos
os leitores para transmitir minha indignação e obrigar a prefeitura a rever tão
autoritária e primária atitude.
Muito
obrigado.
infelizmente salvador ñ é mais nordeste...a "cultura" ai é outra. com a palavra, as cervejarias e a axé music.
ResponderExcluirUm absurdo !!!
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