quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

DE ATENA A OXALÁ

Quando a marcial Atena não está em guerra, ela faz crochê, lá no seu longínquo Olimpo. Ou se interessa por patrimônios imateriais. Aqui, sorria, você está na Bahia, Sir Charles, o orgulhoso, mas fiel escudeiro, desperta de longos sonos para bater palma e brilhar por efêmeros minutos.
Entre os zilhões de coisas que não entendo, o diploma para expressões culturais movediças me parece algo surreal.
Consagra-se o acarajé no exato momento em que está passando das mãos tradicionais das filhas de santo para as servas de Edir Macedo. E mais: já se podem encontrar caixas de “ready-made acaradjé” em supermercados. Quem provou os acarás em Cotonu, sabe o oceano de diferença entre as duas feituras. O de lá só é patrimônio do povo.

na igreja

Agora, a procissão do Bonfim. Foi!sacralizada ontem Patrimônio Imaterial Nacional. Mas de que procissão estamos falando?  Não sei se ainda tem bicicletas, mas as carroças enfeitadas, puxadas por jumentos, asnos ou cavalos, sumiram por decreto. Se não receberem seu “agrado”, as baianas fazem cara feia ou simplesmente ficam em casa. Quando aceitam sair, sai cada uma por seu lado. Salvo as ingênuas que, com comovente entusiasmo, vêm de Brasília ou de Curitiba. E as gringas disfarçadas. As baianas do Senac só desfilam para a televisão, desaparecendo logo na esquina do Trapiche Barnabé . 
Conheci a festa com caminhões levando deslumbrados festivos. Conheci a festa com trios elétricos. Eu mesmo participei com uns cem carros de cafezinhos. Depois apareceu esta coisa bizarra chamada de “Bonfim Light”. Ontem, o reitor da igreja resolveu também ter seu grupo de participantes e apareceu na janela com o Cristo a tira-colo. Direito dele.
Então... De que procissão estamos falando?
A beleza da cultura popular é que ela evolui constantemente e não há decreto que possa manté-la estática, fossilizada. Mas que ninguém se iluda: as festas de largo estão desaparecendo, sim, vítimas das vorazes cervejarias e das burrices municipais. E não vejo nenhum argumento contra esta evidência.
Decretar a essencialidade destas expressões é carimbar a água.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails