Quando a
marcial Atena não está em guerra, ela faz crochê, lá no seu longínquo Olimpo.
Ou se interessa por patrimônios imateriais. Aqui, sorria, você está na Bahia, Sir
Charles, o orgulhoso, mas fiel escudeiro, desperta de longos sonos para bater
palma e brilhar por efêmeros minutos.
Entre os
zilhões de coisas que não entendo, o diploma para expressões culturais movediças
me parece algo surreal.
Consagra-se
o acarajé no exato momento em que está passando das mãos tradicionais das
filhas de santo para as servas de Edir Macedo. E mais: já se podem encontrar
caixas de “ready-made acaradjé” em supermercados. Quem provou os acarás em
Cotonu, sabe o oceano de diferença entre as duas feituras. O de lá só é
patrimônio do povo.
Agora, a
procissão do Bonfim. Foi!sacralizada ontem Patrimônio
Imaterial Nacional. Mas de que procissão estamos falando? Não sei se ainda tem bicicletas, mas as
carroças enfeitadas, puxadas por jumentos, asnos ou cavalos, sumiram por
decreto. Se não receberem seu “agrado”, as baianas fazem cara feia ou
simplesmente ficam em casa. Quando aceitam sair, sai cada uma por seu lado. Salvo
as ingênuas que, com comovente entusiasmo, vêm de Brasília ou de Curitiba. E as
gringas disfarçadas. As baianas do Senac só desfilam para a televisão, desaparecendo
logo na esquina do Trapiche Barnabé .
Conheci a festa com caminhões levando deslumbrados festivos. Conheci a festa com trios elétricos. Eu mesmo participei com uns
cem carros de cafezinhos. Depois apareceu esta coisa bizarra chamada de
“Bonfim Light”. Ontem, o reitor da igreja resolveu também ter seu grupo de
participantes e apareceu na janela com o Cristo a tira-colo. Direito dele.
Então... De que
procissão estamos falando?
A beleza da
cultura popular é que ela evolui constantemente e não há decreto que possa
manté-la estática, fossilizada. Mas que ninguém se iluda: as festas de largo
estão desaparecendo, sim, vítimas das vorazes cervejarias e das burrices
municipais. E não vejo nenhum argumento contra esta evidência.
Decretar a essencialidade destas expressões é
carimbar a água.
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