Marcus Alban*
Com grande pompa e circunstância, em 2007 escolheu-se o Brasil para sediar a Copa-2014. Havia, portanto, bastante tempo para se planejar os estádios e a infraestrutura das cidades-sede, de modo a garantir uma bela Copa, dinamizadora do turismo e geradora inúmeros legados urbanos, sobretudo no crítico quesito da mobilidade urbana. Mas o tempo foi passando e, na maioria dos casos, apenas os estádios, com valores bem acima dos previstos, foram efetivados.
Em 2009, por outro lado, “com a marolinha da crise”, o governo federal teve a ideia sui generis de aquecer a economia estimulando a indústria automotiva, com uma série de incentivos fiscais e creditícios para a venda de veículos. Num primeiro momento, os resultados foram surpreendentes. Afinal, se os projetos de mobilidade pública não avançavam, o jeito era mesmo aproveitar as módicas prestações e comprar o seu carro próprio, ou sua moto.
Com todo mundo, ou pelo menos toda a classe média turbinada pela dita classe C, adotando essa solução privada, o sistema, sem a possibilidade da expansão física de vias, naturalmente colapsou. E colapsou para todos, usuários de ônibus, metrô e também os proprietários de carros e motos. A vida urbana, que já era bem complicada, se transformou num inferno, com as pessoas perdendo de duas a cinco horas todos os dias em seus deslocamentos.
O inferno, porém, não é só de qualidade de vida. Ele é também econômico, materializado em grandes prejuízos anuais. Estimativas indicam que, só na cidade de São Paulo, esses prejuízos são da ordem de 40 bilhões anuais, o que equivale a 1% do PIB nacional. E esses são apenas os prejuízos diretos. Indiretamente, eles significam perdas de produtividade, expansão dos custos de transação, o que contribui para a aceleração da inflação e, claro, a desaceleração do PIB.
Não surpreende, portanto, que o governo Dilma enfrente hoje um cenário econômico tão adverso. E nem que a classe média, sobretudo a jovem, catalisada pelo movimento do passe livre, tenha explodido em manifestações, ordeiras e violentas, por todo o país, em plena inauguração dos estádios da sonhada Copa. E o problema, como se sabe, já não se limita às questões de mobilidade. Agora, como dizem os cartazes, “todos querem uma vida padrão Fifa”, e sem corrupção.
Como sair desse imbróglio? A presidente Dilma diz estar ouvindo as ruas, e convocou governadores e prefeitos das capitais para a montagem de grandes pactos de governabilidade. Se for para valer, é sem dúvida um passo importante. Se for mero marketing tergiversador, porém, se estará jogando mais lenha numa fogueira social já bastante explosiva. O fato é que, dado o atual estado de fragilidade da economia brasileira, a inflação seguirá alta, o PIB seguirá decepcionando e o desemprego, inevitavelmente, mostrará a sua cara.
E tudo isso numa sociedade altamente conectada que descobriu que, numa urbe engarrafada, basta uma pequena passeata para se parar e, às vezes, destruir uma cidade, ou até mesmo o país.
* Marcus Alban é engenheiro, doutor em Economia pela USP e professor do PDGS-EA/Ufba - m.alban@uol.com.br
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