sexta-feira, 4 de julho de 2014

UM ADEUS FRIO E SEM PALAVRAS

Sem discurso e nenhuma aparente emoção, ministro nega haver mágoa de colegas do judiciário, de advogados que atuaram no julgamento do mensalão ou da opinião pública
Edla Lula


A última sessão do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, seguiu o mesmo script que há onze anos fez parte de seu comportamento na Casa. Ele preferiu, novamente, surpreender: abandonou a sessão que presidia sem o esperado discurso de encerramento e sem balanços. No plenário, as discussões correram como se aquela fosse uma reunião como as que acontecem todos os dias, com os juízes colocando suas teses, apresentando votos, sem esboçar qualquer emoção ou saudade do colega que sai. Emoção mesmo, só das jornalistas que arriscaram selfies como ex-presidente. Indagado por uma delas se estaria emocionado, o ministro respondeu: "Tô nada".
Na entrevista que deu ao deixar a corte, Barbosa negou haver mágoa em relação às críticas que sofreu— por parte de colegas do Judiciário, dos advogados que atuaram ao longo do julgamento do mensalão ou mesmo da opinião pública. "Saio absolutamente tranquilo, coma alma leve e com aquilo que é fundamental para mim: o cumprimento do dever", disse. O ministro afirmou que todas as suas decisões foram pautadas pelo respeito às normas e pelo cumprimento da Constituição. "Este é o norte principal da minha atuação: pouca condescendência com desvios, com essa inclinação natural a contornar os ditames da lei, da Constituição".
Em relação às "agressões" que teria sofrido do advogado do ex-deputado José Genoino, Luiz Fernando Pacheco, Barbosa disse que foi "a coisa mais chocante" que vivenciou durante o período que passou no STF. Por isso, criticou as relações no Judiciário. "O que se tem é que a prática do Direito no Brasil está se tornando um vale tudo. O sujeito perde nos argumentos, mas quer levar no grito. No momento em que há complacência dentro do próprio Judiciário com esses abusos cometidos por certas pessoas, certas organizações, todo o edifício democrático rui".
Barbosa negou que essa situação o tenha levado a renunciar ao cargo dez anos antes do que é previsto para se aposentar. "Saio porque acho que chegou a hora. Onze anos em um cargo de primeira linha é muito", disse aos jornalistas. A saída precoce foi criticada pelo colega Marco Aurélio Mello, também provocado a comentar a última sessão, da qual Barbosa saiu subitamente. "Quem sabe ele não retorna em agosto para fazer um balanço", disse Marco Aurélio em tom irônico.
Para o ministro, com a saída de Barbosa, será necessário que o Supremo retome o nível elevado nas discussões. "Precisamos voltar ao padrão anterior, que não é só da Fifa. Deve ser também das instituições brasileiras. Esse padrão ficou arranhado na última gestão (do Supremo)". Sobre a antecipação da aposentadoria, Marco Aurélio Mello disse que quebra a ordem natural das coisas, afirmando não recordar de outro presidente que tenha renunciado ao cargo. "Ele poderia demonstrar um apego maior ao ofício judicante, permanecendo mais tempo no tribunal e até mesmo completando o biênio".
Outro membro da Corte, Gilmar Mendes, chamou atenção para o temperamento do ministro. Segundo ele, a passagem de Barbosa pela presidência do Supremo foi tumultuada, em função do julgamento do mensalão. E esse tumulto teria sido provocado pelas manobras para que o julgamento se prolongasse, pela pressão externa e também "pelo temperamento do ministro Joaquim Barbosa".
O presidente não deixou de alfinetar o governo, que indicou, entre outros membros do Supremo, Dias Tóffoli, ex-advogado do PT. "Aqui não é lugar para pessoas que chegam com vínculos a determinados grupos de pressão, não é lugar para se privilegiar determinadas orientações", afirmou, ao ser perguntado sobre o perfil daquele que o deveria substituir. "O membro do STF tem que ter como característica fundamental a de ser um estadista", arrematou.
Embora tenha afirmado não ter apego à política do dia a dia, Barbosa não chegou a descartar a possibilidade de ingressar nesta vida. "É muito pouco provável que entre na vida política", disse para em seguida completar: "A partir do dia em que for publicado o decreto da minha exoneração, serei um cidadão como outro qualquer, absolutamente livre para tomar as posições que eu entender necessárias e apropriadas no momento devido".

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