Paulo Ormindo de Azevedo
Durante muito tempo a propaganda oficial falava do legado da
Copa. Este discurso mudou para obras padrão FIFA. Quanto ao legado, na quase
totalidade das doze cidades onde serão realizados jogos, a Copa deixará apenas a
reconstrução de estádios, que poderiam ser reformados por um terço do custo de
novos, estes com menor capacidade que os antigos. É lamentável termos perdido a
oportunidade de direcionar a cidade para outros rumos diminuindo sua congestão.
Só Pernambuco soube fazer isto, porque tem planejamento.
Se para cada espectador da arena vierem mais dois acompanhantes
teremos no máximo 150 mil pessoas, ou um quarto das que vêm anualmente ao
carnaval da Bahia. Em Salvador nem metrô, nem VLT ou BRT, nem mesmo a renovação
dos velhos hotéis. Os R$400 milhões de financiamento do BNDES para melhoria
urbana foram repassados integralmente para a concessionária Fonte Nova Negócios
e Participações (FNP). Recursos praticamente doados, pois com garantia do
Governo Federal. Pela construção e gestão do estádio por quinze anos a FNP irá
receber R$1,6 bilhões e mais 25.000 m² de terreno no centro da cidade para
construção de shopping e escritórios.
Afinal qual é o saldo desta Copa? Perdemos um complexo esportivo
com duas grandes piscinas, pistas de atletismo e um ginásio de esportes. Perderam
os times, em especial o Bahia, que terá que dividir a bilheteria e os direitos
de transmissão com o novo dono do estádio. Perdeu a Bahia ao ter a homenagem a
um dos seus maiores filhos, Otavio Mangabeira, transferida para uma cervejeira
de Alagoinhas.
Imaginem o Maracanã ser reduzido à Arena Schin, ou o estádio
Mané Garrincha ser transformado em Arena Pitu ou 51. Perdeu o torcedor que teve o seu estádio com a
capacidade reduzida a quase a metade e os ingressos aumentados em proporção
inversa. Perdeu também por não mais poder escolher o que beber e comer. A
publicidade não é mais sugestiva ou subliminar é compulsória.
Quanto ao padrão de qualidade FIFA é preciso analisar a
construção dos estádios. A quase totalidade deles foram projetados por
arquitetos indicados pela FIFA com coberturas da RFR Stuttgart. Deixemos de
parte os prazos e orçamentos estourados. O nosso, projetado pelo Arq. Marc Duwe,
tem erros elementares, como a não articulação do estádio com o metrô vizinho e sua
saída principal em escadaria despejando diretamente na pista de uma das vias mais
velozes da cidade. Para alojar as bilheterias e portarias de entradas foi improvisado
um colar de barraquinhas de lona em volta ao estádio. Embora bonito por fora,
imitando o antigo, o acabamento de seu interior é do terceiro mundo.
Este padrão estaria ligado à transparência. A pergunta é:
para onde vão os direitos de transmissão de TV, bilheterias, patrocínios e merchandise que a FIFA arrecada sem
investir um centavo? A FIFA não faz nada pelo futebol amador e pela educação
esportiva. Ainda que por acaso, a sede da associação está na Suíça, onde as
contas são sigilosas. Sobre a FIFA é preciso ler o livro de Andrew Jennings
publicado na Inglaterra em 2006 cujo titulo em português seria “O mundo secreto
da FIFA: subornos, manipulação de votações e escândalos de bilheterias”. Ao
livro se seguiram outras denuncias apontadas no parlamento inglês e na BBC.
Uma delas é que três membros do conselho da FIFA, incluindo Ricardo
Teixeira, teriam recebido suborno para escolherem o Qatar como sede da Copa de
2022, um país com a metade da população de Salvador, com temperaturas acima de
40ºC, e sem futebol.
João Havelange, presidente da FIFA durante 24 anos, teve que
renunciar em 2013 a presidência de honra da FIFA para não ser julgado pelo seu
conselho de ética e justiça da Suíça. Seu sucessor Joseph Blatter está no poder
há 16 anos numa administração nebulosa. O genro de Havelange, Ricardo Teixeira,
presidente da FBT durante 23 anos, teve que renunciar em 2012 três anos ante do
prazo e ir morar no exterior diante de reiteradas denuncias de corrupção e
sonegação fiscal. É este o legado ou o padrão FIFA?
SSA: A Tarde de 16/03/14
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