quinta-feira, 27 de março de 2014

PEDRAS PORTUGUESAS, SEMPRE!

Calçada portuguesa em Lisboa e no Rio: é mais o que as une do que aquilo que as separa

Na cidade carioca, muitos vêem a “pedra portuguesa” como “a vilã”, mas há quem insista em lembrar o seu valor identitário e histórico. A grande diferença em relação a Portugal é que no Rio de Janeiro são os moradores e comerciantes, e não as autoridades públicas, quem tem a responsabilidade de fazer a conservação dos pavimentos.
PEDRO CUNHA (ARQUIVO)
Em Lisboa, a hipótese recentemente ressurgida de se substituir a calçada portuguesa por outros pavimentos nalguns locais da cidade deu origem a dezenas de notícias, a vários abaixo-assinados e a uma discussão intensa entre defensores e opositores da medida. Mas não é só em Portugal que o tema desperta paixões: no Brasil, sempre que se fala em limitar o uso da “pedra portuguesa” no Rio de Janeiro, a polémica estala.
Isso mesmo aconteceu no final de 2007, quando a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou uma lei segundo a qual “as calçadas e passeios públicos” deveriam ser “de piso antiderrapante e contínuo, com rampa de acesso para cadeira de rodas”. Para que isso fosse uma realidade, previa-se a substituição generalizada dos pisos “com pedra do tipo portuguesa”, excepto na “orla marítima”. Algo que tem vindo a acontecer a pouco e pouco, aproveitando obras de requalificação que vão sendo feitas em vários locais da cidade.    
“Volta e meia, as nossas calçadas de pedras portuguesas ficam sob fogo cruzado. O argumento é sempre o mesmo: o perigo que a falta de manutenção representa para os transeuntes”, escrevia em 2009 Cora Rónai. Pouco convencida, a jornalista d’O Globo perguntava: “O que leva alguém a supor que uma cidade incapaz de manter um calçamento de pedras portuguesas será capaz de manter um calçamento de qualquer outra coisa?”.
Semelhante é o raciocínio de Horácio Magalhães, que defende, em declarações ao PÚBLICO, que o problema está na “falta de conservação” e não no tipo de pavimento. “Não importa se é calçada ou concreto. Se só muda o material, o problema persiste. É como tirar o sofá da sala para evitar que o casal namore”, constata o presidente da Sociedade de Amigos de Copacabana.   
Além disso, diz Horácio Magalhães, “as pedras portuguesas são características de Copacabana, fazem parte da sua história”. Tirá-las, resume o representante dos moradores do bairro, seria “um prejuízo”.
O “calçadão”, uma das mais conhecidas imagens de marca do Rio de Janeiro, foi construído em 1906, com mão-de-obra e pedras vindas de Portugal e com um desenho inspirado no “Grande Mar” do Rossio. Na década de 70 do século passado o artista plástico e arquitecto paisagista brasileiro Burle Marx, que nalgumas obras suas juntou basalto vermelho às tradicionais pedras brancas e pretas, deu-lhe um novo desenho.     
Também Andréa Redondo é, como confessa no blogue Urbe CaRioca, uma “apaixonada” pela calçada portuguesa, “herança da terrinha, de lá onde estão as nossas raízes lusitanas”. “É a nossa memória, a nossa cultura, que deve ser preservada. Quando visitei Lisboa foi uma emoção indescritível ver ao vivo como somos portugueses”, conta a arquitecta ao PÚBLICO.   
“As calçadas são muito mal conservadas, infelizmente. Ficam com buracos, com desnivelamentos e as pessoas caem, se machucam”, acrescenta Andréa Redondo. “Há um consenso geral de que a pedra portuguesa é a vilã”, resume a ex-presidente do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, lamentando que assim seja.
Olhando para as cartas dos leitores e os muitos artigos publicados no jornal brasileiro O Globo, é também essa a imagem que passa. “Olhe bem por onde todos pisam”, “Armadilhas para os pedestres”, “Pedras portuguesas, um perigo constante” e “Um tropeço, com certeza” são os títulos de algumas notícias recentes, várias delas acompanhadas por fotografias de pessoas com ferimentos causados por quedas na calçada portuguesa.
Em Lisboa, onde existem apenas 20 calceteiros ao serviço da autarquia, quando chegaram a ser quase 400, a falta de manutenção e de qualidade da calçada e os problemas de acessibilidade, segurança e conforto que coloca são também temas de discussão. Uma realidade que parece não ter eco no Rio de Janeiro, a julgar por aquilo que se diz em vários blogues e artigos de opinião. Como o de Cora Rónai, em que a jornalista faz a apologia da pedra portuguesa a partir do exemplo das “ruas lindas e impecáveis de Lisboa, onde é quase impossível, se não impossível de todo, ver pedra fora do lugar”.  

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