quarta-feira, 19 de março de 2014

CADÊ O PADRE?

Aconteceu na Natuba, nome antigo e artístico da cidade de Nova Soure, Bahia, ali vizinha do Junco, da Manga, de Cipó e Olindina.

Um homem, que aqui chamarei de Augusto, muito respeitado no lugar, dobrara a esquina e estava de mudança para a cidade dos pés juntos.

O enterro estava marcado para as cinco da tarde, conforme amplamente anunciado pelo serviço de som e nos altifalantes da igreja.

Mas logo um problema surgiu: o padre da paróquia estava de férias e viajara para lugar distante, de modo que a cidade estava sem celebrante.

E agora, quem iria celebrar a missa de corpo presente? Um homem como Augusto não podia ser enterrado sem a missa.

Ainda pela manhã lembraram-se do padre Fulano de Tal, que era amigo de alguém da família e era vigário numa paróquia da região.

Então, por volta do meio-dia lá se foi uma comissão de quatro parentes e amigos com a solidária missão de trazer o padre Fulano de Tal.

Talvez não houvesse necessidade de ir  tanta gente assim, bastaria ir apenas um, até para ter espaço no carro para trazer o pároco.

No interior, porém, quando é coisa envolvendo morte/velório/enterro, ninguém quer viajar sozinho. Então, lá se foram os quatro cavalheiros.

Quando chegaram lá, o padre havia tomado um chá de sumiço, pois ninguém, ninguém, ninguém sabia onde ele estava.

Foram à igreja - fechada. Bateram na casa paroquial, ninguém atendeu. Na casa de uma beata, esta disse não saber o paradeiro do padre.

Na Câmara, na Prefeitura, no banco, na barbearia ninguém sabia informar.

Após uma hora de buscas em vão, o quarteto voltou à casa paroquial. Desta vez o sacristão acordou - e foi até a porta.

- Morreu uma pessoa lá no Soure - disse um dos visitantes. - Então viemos aqui chamar o padre.

- Mas é algum parente dele? - indagou o sacristão, com certa preguiça na fala.

- Não é parente, não. É que ele é amigo de Beltrano e viemos aqui saber se ele pode celebrar a missa de corpo presente.

- Mas... e o padre de lá, por que não celebra? - perguntou o sacristão.

- O padre de lá está de férias e viajou para longe.

- Olha só, o Padre Fulano foi ali numa emergência, um caso de vida - disse o sacristão.

- Mas será que ele demora? Nosso caso também é emergencial. É um caso de morte.

- Acho que vai demorar, sim, pois ele foi na casa da mulher dele...

- Casa da mulher dele!?!?! - os visitantes levantaram olhos e sobrancelhas.

- É, sim - o sacristão falou como a dizer algo normal. - A mulher sentiu dores, o filho dele está pra nascer. Aí ele foi acompanhar.

Os quatro cavalheiros se entreolharam, agora de cabelos, olhos e sobrancelhas em pé e as bocas abertas.

Lamentaram o choque entre um caso de vida e outro de morte, consentiram que a vida tem prioridade, despediram-se do sacristão e voltaram para o Soure.

Quando chegaram de volta, faltava meia-hora para o enterro, de modo que os sinos já convidavam a comunidade para o "ato de fé e piedade cristã".

Sem padre, o finado Augusto acabou sendo enterrado com muito choro e muita vela, porém sem a missa de corpo presente.

Enquanto isso, em outra cidade, um padre Fulano de Tal dava as bênçãos ao filho que acabava de nascer.
(marcelocronista@gmail.com)
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(Devo essa história a Antônio Mário, o Tonho do Paiaiá, cabra retado lá da Natuba, Nova Soure, Bahia)

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