Cultura e Cidade
Cláudio Marques
De pais e avós baianos, Cláudio Marques é fundador e coordenador do Panorama Internacional Coisa de Cinema desde 2003. Também é o idealizador e coordenador do Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha. Diretor, roteirista, produtor e montador de 6 curtas metragens, todos co-dirigidos com Marília Hughes. Depois da Chuva, primeiro longa da dupla, ganhou três prêmios no 46º Festival de Brasília do Cinema: Melhor Ator (Pedro Maia), Melhor Roteiro (Cláudio Marques) e Melhor Trilha Sonora. Site do filme: http://coisadecinema.com.br/depois_da_chuva/
A revolta da cerveja
No Carnaval de Salvador, nesses últimos dois dias, eu andei pelo Pelourinho. No domingo, eu vi um bom show da “Baianasystem”, que, sem dúvida alguma, extrapolou o gueto das bandas ditas alternativas e conquistou um público amplo. O Pelourinho estava lotado!
Ontem, eu fui à inigualável “Mudança do Garcia”. Precária, autêntica e muitas vezes contundente. Entre tantos encontros, foi emocionante ver Juliana Ribeiro cantando ao lado de Riachão, num pequeno trio. Ruas apinhadas e poucos protestos na “Mudança” esse ano, mas eu creio que a política se fez presente em todo o carnaval da Bahia.
Pois, coube a um representante do liberalismo cercear a possibilidade de escolha entre cervejas no Carnaval de Salvador. ACM Neto vendeu o patrocínio do carnaval para duas marcas e proibiu o consumo das demais. O Pelourinho, principal ponto do nosso Centro Histórico, está todo alaranjado (cor da Schin), numa pobreza de espírito de dar nos nervos. Vende-se a mãe, a alma, o que for necessário na toada “captador de recursos” a todo custo. Tratar a cultura dessa forma, dói. Mas, o povo não gostou e reagiu.
Até então, pode-se dizer que ACM Neto navegava em céu de brigadeiro. A seu favor, a trágica gestão de João Henrique e o cansaço frente a um governo medíocre do PT, que garantiam uma aprovação recorde ao atual prefeito. Vale dizer, que a vida em Salvador em nada, ou muito pouco, se alterou em um ano da nova Prefeitura: continua violenta em todos os seus aspectos, do trânsito à falta de segurança. Nenhum grande problema foi sanado nesse primeiro ano.
Devemos louvar algumas boas ações, como dar o mínimo de espaço às bicicletas, a devolução do Plano Gonçalves, e mesmo a transformação da Barra em um imenso calçadão, ainda que a qualidade da obra e do material utilizado deixe a desejar.
ACM Neto veio com vontade e tentou se impor na base do “quem manda nesse negócio sou eu”. Tomou muitas medidas no sentido de dar o mínimo de organização ao caos que é Salvador, mas de forma arbitrária, sem diálogo ou consultas.
Para mim, é marcante o caso do grupo Botequim, no Santo António, por exemplo. O Botequim, de imenso e reconhecido talento, realizava uma belíssima roda de samba toda última sexta do mês, há cinco anos. É verdade que o show, de tão bom, passou a agregar gente além da conta e passou um tanto do limite aceitável, pois trazia transtornos aos moradores do bairro. Quando ACM Neto assumiu, o que foi que fez: proibiu a roda de samba! Assim, sem conversa, sem nada. Veio, bateu na mesa e gritou: “Na minha cidade não pode bagunça.” A festa merecia mais organização, mas daí a proibir sem oferecer alternativas e mesmo apoio, foi um absurdo. Ficou ali, claro, que um traço de perigoso autoritarismo estava ressurgindo.
Passados alguns meses, a mesma prefeitura resolve comemorar o dia do Samba em pleno Santo Antônio. Mais uma vez, não conversou com os moradores, não procurou saber da gente local o que eles achavam. Três dias de festa foram realizadas, no bucólico bairro, agrupando cerca de 30 mil pessoas. Ou seja: “Nada pode ser feito, mas eu posso fazer tudo.”
Mas, voltando ao carnaval e às cervejas, já podemos dizer que o tiro do patrocínio saiu pela culatra e o pequeno notável se vê em seu primeiro revés político. ACM Neto foi vaiado, ao menos, duas vezes durante o carnaval. A primeira, na saída do Ilê Aiyê. Alguém logo o defendeu e correu a escrever que ali se trata de um reduto esquerdista. Ontem, na segunda-feira, foi novamente vaiado em pleno circuito, quando ACM Neto desfrutava das benesses do camarote VIP da prefeitura. O bloco das Muquiranas, sob o comando do Psirico, na tarde da segunda, dia 03, vaiou o prefeito e gritou pela volta do Circuito na Carlos Gomes, suprimido sem conversa com os moradores e comerciantes locais. Por fim, ainda gritaram em alto e bom som o nome da cerveja popular banida do circuito oficial: “Skol”.
Mas, por quê diabos não se abre as contas do carnaval? Como bem escreveu Amaranta César em um post no Facebook “… o carnaval é deficitário por quê? quanto se arrecada dos blocos de trio, dos camarotes? o que se paga com os patrocínios das cervejarias? quantos se gasta para garantir a exclusividade de vendas de seus produtos nos circuitos? até onde sei o investimento do governo do estado da bahia é maior do que todo o valor arrecado com as empresas privadas. e mais, negociar direito de exclusividade de vendas em um evento frequentado por cerca de 1 milhão de consumidores, durante 5 dias de festa/consumo, com fiscais do Estado garantindo policialmente que não haverá livre concorrência, tudo isso por 20 milhões é uma pechincha! as contas, apresentem as contas, façamos as contas!”
Mas, na nossa “democracia” somos tratados como imaturos incapazes de dialogar e saber da verdade quanto às escolhas básicas em nossa cidade.
ACM Neto estava muito à vontade. Talvez, agora, ele entenda que o dialogo se faz necessário.
Vale dizer que as vaias contundentes não foram apenas para ACM Neto. Outros políticos foram, assim como Jacques Wagner, sendo que a primeira dama demonstrou de forma clara todo o apreço que possui pelo jogo democrático, ao dar o dedo médio aos que hostilizavam o “maridon”. É cada vez mais evidente que os políticos não aceitam que a população se manifeste. Vaiar e protestar é um dos poucos recursos que nos resta e estão em vias de banimento, seja pelos partidos de “esquerda” ou de “direita”.
Gostaria de terminar esse texto mencionando duas belas ações que aconteceram no carnaval de Recife, esse ano. As duas foram protagonizadas pelo “Grupo Direitos Urbanos” (http://direitosurbanos.wordpress.com).
Na primeira delas, o grupo criou a página “Tô pagando – Quero minha vaga no camarote vip do governo” e pressionou o governo do estado de Pernambuco e a Prefeitura do Recife a listar despesas e convidados dos espaços públicos.
“1) Quem está na lista de convidados e tem acesso ao Camarote VIP?
2) Qual é o critério para integrar essa lista?
3) Como deve proceder um cidadão que queira participar do Camarote para requerer sua credencial?
4) Qual é a área do Marco Zero utilizada pelo camarote?
5) Qual é o VALOR TOTAL DOS CUSTOS com o Camarote VIP durante todo o período em que funcionar, incluindo toda a sua infraestrutura….”
Foram 13 ítens, numa carta amplamente divulgada e protocolada devidamente junto aos poderes públicos. Diante de tal pressão, os camarotes foram cancelados. Uma vitória contundente diante dessa esbórnia que os políticos acreditam ter direito a realizar.
Em seguida, o “Grupo Direitos Urbanos” criou o bloco “Empatando a sua Vista”. Com os membros do grupo fantasiados de prédios, eles cercaram o governador do estado, Eduardo Campos, e o prefeito, Geraldo Júlio, e acompanharam os políticos num manifesto bem humorado. Tudo ocorreu de forma tranqüila e a mensagem foi passada com firmeza e inteligência.
O Carnaval é um momento de festa, mas nunca esteve dissociado da política. Que bom!
Baiano é atavicamente submisso ao chicote. Diferentemente do pernambucano.
ResponderExcluirE o neto é coerente: que sai aos seus não degenera.
Pobre Bahia! Voltando às trevas sem qualquer sutileza.
Complementando, com cópia no Facebook:
ResponderExcluir"Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem"
Rosa Luxemburgo (5/3/1871)