Gilberto Gil me escreveu. Ele mandou uma notificação, a mim e ao site Tetro Nu, na qual “pede” que eu esclareça o óbvio: o texto “Prefeito ACM Neto cancela shows do final do ano e anuncia R$ 6,5 milhões para a cultura de Salvador” não é verdadeiro. O Prefeito não destinou tal verba para os agentes culturais da cidade e os shows do final de ano aconteceram normalmente, todos sabem.
Dada a leitura dinâmica própria da internet, em um primeiro momento muitos que só leram o titulo acreditaram se tratar de notícia verdadeira. Aos poucos, porém, ficou clara a minha intenção de discutir a política cultural na cidade e no estado. Trata-se de um texto irônico, um conto com a estrutura de uma reportagem e que provocou reflexão não apenas em Salvador, mas em outras cidades do Brasil. Eu recebi mensagens vindas de João Pessoa, Manaus, São Paulo, Teresina, Rio de Janeiro, Porto Alegre e muitas outras localidades.
Incontáveis os posts críticos que vieram à tona após a publicação do texto, o que deixou claro que se trata de algo importante a ser discutido.
Na notificação, Gilberto Gil afirma que eu não tenho o direito de colocar entre aspas frase que ele nunca disse. Ou seja, que fique claro, mais uma vez, que Gilberto Gil nunca disse “O futuro está nos jovens!”.
Aliás, que fique claro que todo o texto é meu, toda e qualquer palavra foi criada por mim, que, sim, continuo a acreditar que um autor, desde que não ofenda, nem promova agressão e violência, tem o direito a fabular e defender o seu ponto de vista.
Essa estratégia já existe desde muito tempo. Aristófanes, maior representante da comédia grega, criou peças satíricas e deu falas, às vezes grosseiras, a políticos, poetas e filósofos. Sócrates foi seu alvo em “As Nuvens”. Teria sido Aristófanes notificado pelo filósofo?
No cinema, há a tradição do mockumentary, filmes que passam a sensação ao espectador de que o que ele está assistindo é real. “A Bruxa de Blair” popularizou os mockumentarys, que possuem uma veia mais ativa e poderosa no documentário. “Recife Frio”, curta de Kleber Mendonça Filho, filme recente e muito popular no Brasil fabula, com afeto e ironia, sob uma suposta reviravolta térmica no Recife e discute os caminhos adotados pela nossa sociedade.
Por fim, Gilberto Gil, na notificação, “pede” que o site Teatro Nu tire o meu texto do ar. Particularmente, eu custei a acreditar que essa seria uma atitude vinda dele, artista que quando ministro da cultura nos ajudou a redimensionar o nosso lugar como proponentes ativos das decisões relativas às verbas públicas. Vale lembrar que Gilberto Gil, com sua equipe, descentralizou os investimentos em cultura no país.
Sinceramente, como o envelope que continha a notificação não tinha endereço, eu logo pensei se tratar de uma “pegadinha”, uma “falsa notificação” e cheguei mesmo a dar risada.
E, aliás, que sentido tem retirar do ar um texto claramente fabular, que apela ao bom humor e à ironia para tratar de algo importante e que foi compartilhado milhares de vezes, publicado outras centenas em diferentes sites do Brasil todo?
Após alguns telefonemas, veio a confirmação de que a notificação é verdadeira.
Pensei em escrever para Gilberto Gil, tentar explicar o que se propõe o texto, mas, como eu disse, não há remetente no envelope. Então, escrevi esse texto e gostaria de propor publicamente a ele que releia o que eu escrevi e que deixemos o texto no ar, pois retirá-lo me parece ofensivo em demasia contra a liberdade de expressão, além de conferir ao texto uma agressividade que não existe.
Do meu lado, irei escrever, no pé da página do texto anterior, que tudo não passa de uma ficção, um conto meu. Espero, sinceramente, que assim fique bem para todo mundo.
Aproveito para desejar a todos um grande 2014!
Que tenhamos bom humor e inteligência, pois não vai ser um ano fácil, não.
Cláudio Marques
Nenhum comentário:
Postar um comentário