sábado, 10 de março de 2012

Um casamento negro

Em três quartos de século, participei de casamentos em muitos países. Celebrações em românticas quintas de Sintra, quando até os convidados usavam casaca. Num palácio real de Viena vi belas austríacas com o charmoso traje folclórico dançarem valsas. Num luxuoso riad de Marrakesh, o noivo e sua prometida sentados em pequenos tronos portados pelos familiares balançavam ao som de rabecas, pandeiros e flautas. Num principesco castelo medieval da Bourgogne as bodas aconteceram na capela gótica. Outras, mais banais, pontuaram uma agenda pouco dada a eventos sociais.

Descer o elevador Lacerda e andar até a igreja da Conceição da Praia foi decisão movida pelo irrecusável convite do velho amigo Fernando Conceição, com quem participo de incômodo espírito polêmico. O irrequieto jornalista ia casar – mieux vaut tard que jamais - com a esguia colega Danila. Não esperava eu ser um dos raros brancos da cerimônia. Mergulhei entre os convidados com a gostosa sensação de feliz privilegiado. Na França o politicamente correto é evitar a palavra “noir”, preferindo “black”, como se o anglicismo fosse amenizar a definição. Hipocrisia que sempre recusei. Quem não se lembra da famosa resposta daquela senhora negra a Marta Suplicy? Pois então, de negros estamos falando.

E lá estava eu, sentado na última fila do rico monumento trazido de Portugal e aqui montado, pedra por pedra, por escravos, cujos descendentes, vestidos com alegre capricho, hoje, aqui, casavam com orquestra e coro. Casamento é sempre emocionante... para os casando. Mas naquela noite confesso ter me emocionado ao considerar o contexto histórico. Na basílica estava uma parte significativa da intelectualidade baiana, negros que tanto contribuem para a evolução da sociedade. Minha vizinha, uma sorridente senhora de cabelo rastafári caprichado, grande senso de humor, é doutora em ciências políticas. Aquela bela, deslumbrante mãe de família é professora de inglês e português no Rio Vermelho. Mais adiante está minha amiga Alaíde do Feijão, a
quituteira... Quanto caminho desde a Árvore do Esquecimento!



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