Há uma semana o Fantástico levou ao ar uma grande reportagem, classificada pelo próprio programa como do gênero jornalismo investigativo, na qual a Rede Globo inaugurava em seus protocolos jornalísticos um método novo de apurar informação para a construção de uma reportagem em profundidade. À frente da reportagem, Eduardo Faustini, o repórter de rosto desconhecido mais famoso do telejornalismo brasileiro, pois todas as suas matérias são feitas com a estratégia da câmera escondida e todas provocam repercussão nacional. Não raro as reportagens de Faustini levam gente para a cadeia e para os tribunais.
Desta vez, Faustini e o Fantástico deram um passo além na estratégia da câmera escondida. Com o propósito de denunciar como funciona a máfia de empresários especializados em fraudar concorrências públicas em hospitais universitários, o jornalista lançou mão de um recurso inédito na emissora: ‘tornou-se funcionário’ de um hospital do Rio durante meses e, combinado com a direção real da unidade e certamente muito bem assessorado pelo departamento jurídico da emissora, lançou editais de concorrências falsas para atrair empresários de má fé, habituados a embolsar dinheiro público nesse tipo de expediente.
RATOEIRA - O que a emissora e Eduardo Faustini fizeram foi montar uma armadilha para pegar, como se pega rato em ratoeira, representantes de empresas que vivem de lesar cofres públicos fraudando e combinando licitações, realizando concorrências viciadas e mentirosas e fornecendo produtos a preços super faturados, muito além dos valores praticados pelo mercado. É aí que, do ponto de vista do jornalismo e do telejornalismo, começa o embate em torno de uma reflexão: esses fins justificam, jornalisticamente, os meios? O fato de os níveis de corrupção no Brasil atingirem patamares tão alarmantes, justificam o fato de o telejornalismo assumir o papel das instituições públicas e não apenas fiscalizar a esfera pública, mas montar armadilhas para pegar corruptos e entregá-los às autoridades?
Dificilmente se encontrará um telespectador disposto a discordar da Rede Globo e de seus profissionais de imprensa por armarem uma arapuca desta natureza, por literalmente criarem um fato e transformá-lo em notícia bombástica. Sim, aqueles empresários têm aquelas práticas como um habitus de há muito enraizado e não são apenas aqueles. Mas, daquela vez, era tudo fake, era uma armadilha, o que significa dizer que o quê a Globo fez não foi noticiar um fato, simplesmente. Ela criou um fato específico para depois noticiá-lo. O cenário já existia, é verdade, mas aquele fato específico foi criado.
RAPINAGEM - Após criar o fato, fazê-lo notícia, mostrar os culpados em flagrante e apresentá-los ao país já após um rito sumário de condenação, a emissora foi esfregar sua competência de agente fiscalizador na cara dos poderes públicos que, aos olhos da população, não passam de uma Carolina banguela e demente na janela vendo os recursos públicos serem devorados pela rapinagem de empresários corruptores, com a conivência de autoridades públicas corruptas. Usando as imagens da armadilha, todos os telejornais da emissora passaram a semana esfregando-as na cara de senadores, deputados, autoridades policiais e jurídicas, ministros, órgãos de fiscalização das contas públicas, prefeito e governador.
MALU FONTES
E a Globo ganha toda a audiência, e o país continua não ganhando nada...
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