Neuton Bispo dos Santos. Já pelo nome, o leitor poderá completar as informações básicas. Negro e pobre. Tinha uns dezesseis anos, plena puberdade, rosto semeado de espinhas, tímido, calado, olhar esquivo. Apareceu no Bagunçaço, ong que ajudei nos anos 90, dando palpites e tentando convencer patrocinadores e jornalistas a mergulhar nos Alagados.
O rapaz estava iniciando uma viagem mais longa da península de Itapagipe até o Recôncavo que a minha ao atravessar o Atlântico e a linha do equador. Joselito, fundador do projeto social, explicou que tinha boa voz e tentava arrancar dos teclados emprestados ao acaso dos botecos, os acordos básicos para valorizar seu canto. Nada fácil convencer os profissionais que agitam as noites dos subúrbios a ceder o instrumento. Convidei-o a vir treinar no meu piano. Com relativa regularidade, lá vinha ele, calado como sempre. Deixava-o exercitar as mãos grandes e finas na sala do fundo para o jardim, aparecendo eventualmente para algumas dicas de postura. Marta levava sanduíche reforçado e suco de frutas. Talvez fosse a única refeição do dia. A mãe, viúva, vivia num barraco de uns quinze metros quadrados onde os oito filhos não cabiam para dormir de noite em papelões no chão de barro. Quantas vezes o garoto não foi obrigado a ficar na rua, em frente da casa, por falta de espaço? Os anos passaram. Perdi o rastro. Ouvira dizer que tinha entrado numa escola de música... Até uma sexta-feira de outubro, quando um carro veio me pegar para uma caótica viagem até São Francisco do Conde. Tom Black, vencedor de um destes concursos de TV criados para explorar participantes e telespectadores, vai, pela primeira vez, pisar um grande palco, frente a um público de mais de mil pessoas, com Margaret Menezes. Microfone na mão, lá vem ele, sorriso rasgado, aparentemente seguro de si, a cantar um longo e eclético repertório. Ainda terá que batalhar muito, limpar o gestual e a voz, para se igualar a um Emilio Santiago, mas como não me emocionar com a persistência do garoto, nesta longa e fantástica viagem!
Salvador 13 de novembro de 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário