Durante quase quinze anos morei numa agradável cobertura da Rua do Passo. Pouco tempo depois de me mudar para o Boqueirão, o Ipac convencia os donos do imóvel a confiar-lhe a restauração. Mais de vinte anos se passaram. Hoje o 28 é uma triste ruína. Poucos metros abaixo, conheci a Casa das Sete Mortes com vida “napolitana”. Todas as salas, todos os quartos eram habitados. Por gente modesta, mas habitados. Com freqüência levava amigos visitantes para admirar “o edifício de notável mérito arquitetônico” conforme definição do Inventário do mesmo Ipac. Veio o tsunami da renovação do centro histórico, anos 90, e com ele o casarão foi prontamente desocupado. Entraria então em lenta decadência sob a silenciosa omissão dos donos, os Órfãos de São Joaquim. Durante estes anos, o meio-portão de ferro trabalhado da entrada foi roubado. Grande parte dos azulejos do século XVII foi arrancada, assim como muitos da fachada, com total conhecimento e incúria do Ipac. Roubadas também as belas portas do oratório embutido na parede do salão nobre. Nem o banheiro seria poupado. Decorado com farto embrechamento de conchas, fora impiedosamente quebrado. Por várias vezes reclamei. Em vão. A indiferença dos órgãos “competentes” provou que, mais uma vez, a arrogante burocracia tem nos três macacos seu símbolo mor.
Dia desses, passando pela porta aberta, resolvi entrar. Ninguém na portaria, ninguém nas salas do térreo, a não ser uma possível reunião de trabalho numa sala perto da antiga cozinha. Subi pela ampla escada sem ser incomodado, visitei cada sala, constatando a intenção de se transformar a casa em escola ou centro de reuniões. Tudo restaurado com charme discretíssimo de repartição pública, incluindo uma agressiva e horrenda rampa para deficientes e a complementação dos azulejos da fachada com outros, de cor incompreensivelmente diferenciada. Efeito confuso e deprimente de mau acabamento. Do constrangedor jardim, nem falarei. Desde aquele dia, a Casa das Sete Mortes continua fechada. Terá o mesmo destino que o cinema Excelsior?
Salvador, 27 de novembro de 2010
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