Era um cara estranho. Vinha com certa freqüência ao Mercado Modelo onde eu tinha minha galeria, sempre com fotos debaixo do braço. Boas, sem, porém, grande personalidade. Algumas semanas depois do desastroso incêndio de 87 que acabou com todo meu acervo - várias peças únicas de arte popular e muitas obras de então jovens artistas hoje consagrados - ele veio mostrar as fotos que fizera das ruínas ainda fumegantes do interior da antiga alfândega.
Abriu duas grandes caixas de fotos, escolheu algumas e declarou desejar que eu escolhesse uma como presente. Muita gentileza, não precisa. Insistiu. Após rápida olhada, observei que todas, umas seis fotos, apresentavam algum tipo de defeito, geralmente um pronunciado rasgo. “È por isso que quero lhe dar uma...” me respondeu com a maior calma. No mesmo tom, tive que esclarecer que não costumava receber presentes “de segunda”.
O fotógrafo nada protestou e fechou as caixas com naturalidade.
Seria o fim de um relacionamento? Nada disso. Continuou, sem o menor constrangimento, subindo até o primeiro andar do bazar para bater papo. Isto foi durante mais alguns meses. Até um dia chegar com uma pergunta bem objetiva. Olhando nos meus olhos:
“Estou elaborando, com o centro cultural X, no Recôncavo, um evento artístico que pretendemos repetir a cada dois anos. Estamos formando o júri. Agora precisamos fechar a lista. Você teria uma sugestão de alguém que tenha um bom conhecimento da área, da história da arte, espírito crítico, com critérios fundamentados?”.
Com a mesma segurança, olhando bem dentro de seus olhos, respondi:
-Sim... Eu!
-Não, Dimitri... Estou falando a sério!
Ainda hoje, pensando nesta atitude de cafajeste ingênuo, dou risada. Recebi, naquela manhã uma bela lição de humildade, senão de educação.
Salvador 15 de novembro de 2010.
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